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Esses dias deparei-me com um texto bastante interessante que discutia quais as virtudes e características intelectuais universais, aquelas indispensáveis para servirem de critério que distingue os pensadores competentes. Não achei um texto similar em português, logo segue uma tradução do texto da página.

Virtudes Intelectuais

1. Humildade Intelectual

Ter consciência dos limites do próprio conhecimento, incluindo a sensibilidade à circunstâncias em que o próprio egocentrismo natural provavelmente funcionará de forma auto-enganadora. Sensibilidade ao viés, preconceito e limitações do próprio ponto de vista. A humildade intelectual depende do reconhecimento que não se deve afirmar mais do que de fato se sabe. Isso não implica não ter fibra intelectual ou ser intelectualmente submisso. Isso implica a falta de pretensiosidade intelectual, falta de se auto-vangloriar, ou arrogância, combinadas com intuições aos fundamentos lógicos ou falta de fundamentos lógicos das próprias crenças.

2. Coragem Intelectual

Ter consciência da necessidade de se confrontar e responder justamente ideias, crenças e pontos de vistas diante dos quais tem-se fortes emoções negativas e dos quais não ouvimos com seriedade. Essa coragem está conectada com o reconhecimento que ideias consideradas perigosas ou absurdas são algumas vezes racionalmente justificadas (totalmente ou em partes) e que conclusões e crenças inculcadas em nós são algumas vezes falsas ou enganadoras. Para determinar para nós mesmos qual é qual, nós não devemos “aceitar” passiva e acriticamente o que nos é “ensinado”. A coragem intelectual entra em jogo aqui, pois inevitavelmente nós teremos que vir a enxergar a verdade em algumas ideias consideradas perigosas e absurdas, e a distorção e falsidade em algumas ideias fortemente defendidas em nosso grupo social. Nós precisamos de coragem para sermos verdadeiros com nosso próprio pensamento nessas situações. As penalidades pela não-conformidade podem ser severas.

3. Empatia Intelectual

Ter a consciência da necessidade de imaginativamente se colocar no lugar dos outros para genuinamente entendê-los, que requer a consciência da nossa tendência egocêntrica de identificar a verdade com nossas percepções imediatas de pensamentos ou crenças antigas. Esse atributo se correlaciona com a habilidade de reconstruir com precisão os pontos de vista e raciocínios dos outros e raciocinar a partir das premissas, pressupostos e ideias que não são as nossas. Esse atributo também se correlaciona com a disposição de lembrar ocasiões nas quais estávamos errados no passado apesar de uma convicção intensa de que estávamos certos, e com a habilidade de imaginar que estamos similarmente enganados no caso em questão.

4. Autonomia Intelectual

Ter controle racional sobre as próprias crenças, valores e inferências. O pensamento crítico ideal é aprender a pensar por si mesmo, ganhar comando sobre o próprio processo mental. Ele implica um comprometimento com analisar e valorar as crenças com base na razão e na evidência, questionar quando é racional questionar e acreditar quando é racional acreditar, e entrar em conformidade quando for racional a conformidade.

5. Integridade Intelectual

Reconhecer a necessidade de ser verdadeiro com o próprio pensamento; ser consistente com os critérios intelectuais que se aplica; aplicar a si mesmo os mesmos padrões de rigor de evidência e prova que se aplica aos seus antagonistas; um senso da necessidade de lidar com a confusão e as questões não resolvidas por um período longo de time para obter um nível mais profundo de entendimento ou discernimento; praticar o que se advoga que os outros pratiquem; e admitir honestamente as discrepâncias e inconsistências no próprio pensamento e ação.

6. Perseverança Intelectual

Ter consciência da necessidade de usar o discernimento e as verdades intelectuais a despeito das dificuldades, obstáculos e frustrações; aderência firme aos princípios racionais a despeito da oposição irracional dos outros; um senso da necessidade de lidar com a confusão e as questões não resolvidas por um período longo de time para obter um nível mais profundo de entendimento ou discernimento.

7. Confiança na Razão

Confiança de que, no longo prazo, os próprios interesses maiores de si mesmo e da humanidade em geral serão melhor servidos dando a maior liberdade para a razão, pelo encorajamento das pessoas a chegarem a suas próprias conclusões mediante suas próprias faculdades racionais; a fé de que, com o incentivo e cultivo adequados, as pessoas podem aprender a pensar por si mesmas, formar pontos de vista racionais, chegar a conclusões razoáveis, pensar de forma coerente e lógica, persuadir umas às outras pelo razão e se tornarem pessoas razoáveis a despeito de obstáculos profundos no caráter nativo da mente humana e da sociedade tal como a conhecemos.

8. Mente Justa

Ter consciência da necessidade de tratar de forma similar todos os pontos de vista, sem referência aos próprios sentimentos e interesses escondidos, ou os sentimentos e interesses escondidos de seus amigos, comunidade ou nação; implica a aderência à critérios intelectuais sem referência à própria vantagem ou à vantagem do grupo.

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Critérios Intelectuais Universais

Critérios intelectuais universais são critérios que devem ser aplicados ao pensamento sempre que se está interessado em checar a qualidade do raciocínio sobre um problema, questão ou situação. Pensar criticamente implica ter domínio sobre esses critérios. Para ajudar os alunos a os aprenderem, professores deveriam colocar questões que instiguem os estudantes a pensarem; questões que façam os estudantes serem responsáveis por seus pensamentos; questões que, mediante o uso consistente do professor na sala de aula, sejam internalizadas pelos estudantes como questões que eles precisam fazer a si mesmos.

A meta última, então, é que essas questões sejam inculcadas no pensamento dos estudantes, formem parte da sua voz interna que os guiará para um raciocínio cada vez melhor. Embora existam muitos critérios universais, os que se seguem são alguns dos mais essenciais:

I. Clareza

“Você poderia elaborar mais sobre esse ponto? Você poderia expressar esse ponto de outra forma? Você poderia dar uma ilustração? Você poderia dar um exemplo?

A clareza é um critério de porta de entrada. Se uma afirmação não é clara, nós não podemos determinar se ela é acurada ou relevante. De fato, nós não podemos dizer nada sobre ela porque nós ainda não sabemos o que se está dizendo. Por exemplo, a questão “O que pode ser feito sobre o sistema educacional na América?” não é clara. Para que podemos lidar com essa questão adequadamente, nós precisaríamos ter um entendimento mais claro do que a pessoa fazendo a pergunta considera que seja um “problema”. Uma questão mais clara poderia ser “O que os educadores podem fazer para garantir que os alunos aprendam as habilidades e técnicas necessárias para ajudá-los a ter um desempenho bem sucedido no seu trabalho e nas suas decisões diárias?”

II. Acurácia

“Isso é realmente verdade? Como podemos checar isso? Como poderíamos descobrir se isso é verdadeiro?”

Uma afirmação pode ser clara mas não ser acurada, como por exemplo “A maioria dos cachorros pesa mais de 150kg”.

III. Precisão

“Você poderia dar mais detalhes? Você poderia ser mais específico?

Uma afirmação pode ser clara e acurada, mas não precisa. Por exemplo, a afirmação “Jack está acima do peso.” (Nós não sabemos quão acima do peso jack está, 1kg ou 250kg)

IV. Relevância

“Como isso está conectado com a questão? Como isso se relaciona com o problema?

Uma afirmação pode ser clara, acurada e precisa, mas não ser uma questão relevante sobre o problema. Por exemplo, é comum estudantes pensarem que a quantidade de esforço que eles dedicam a um curso deveria ser usada no aumento da sua nota na disciplina. No entanto, é comum o “esforço” não mensurar a qualidade do aprendizado do aluno; e quando esse é o caso, o esforço é irrelevante para efeito da nota ser apropriada.

V. Profundidade

“Como a sua resposta adereça as complexidades em questão? Como você está lidando com os problemas na questão? Isso está lidando com a maioria dos fatores significantes?”

Uma afirmação pode ser clara, acurada, precisa e relevante, porém superficial (isto é, falta profundidade). Por exemplo, a afirmação “Apenas diga Não!” que é muitas vezes usadas para desencorajar crianças e adolescentes a usarem drogas é clara, acurada, precisa e relevante. Ainda assim, falta profundidade porque ela trata de um problema extremamente complexo — o penetrante problema do uso de drogas entre pessoas jovens–, de forma superficial. Ele falha em lidar com as complexidades do problema.

VI. Fôlego

“Nós precisamos considerar outro ponto de vista? Há outra forma de olhar para essa questão? Como isso apareceria de um ponto de vista conservador? Como isso apareceria do ponto de vista de … ?”

Uma linha de raciocínio pode ser acurada, precisa, relevante e profunda, mas faltar fôlego, tal como um argumento seja do ponto de vista conservador ou liberal que se aprofunda em uma questão, mas apenas reconhece as ideias de um dos lados da questão.

VII. Lógica

“Isso realmente faz sentido? Isso se segue do que você disse? Como isso se segue? Mas antes você tinha afirmado isso e agora você fala outra coisa, como ambos podem ser verdade?”

Quando nós pensamos, nós juntamos uma variedade de pensamentos em alguma ordem. Quando a combinação de pensamentos apoiam uns aos outros e fazem sentido em combinação, o pensamento é “lógico”. Quando a combinação não se apoia mutuamente, é contraditória em algum sentido ou não “faz sentido”, a combinação não é lógica.

VIII. Jogo Limpo

“Eu tenho um interesse escuso neste problema? Eu estou representando o ponto de vista dos outros de forma simpática?”

O pensamento humano é comumente enviesado na direção do pensador — em quais são os interesses percebidos do pensador. Humanos não consideram naturalmente os direitos e necessidades dos outros no mesmo plano que seus próprios direitos e necessidades. Nós portanto devemos ativamente trabalhar para nos certificarmos que estamos aplicando o mesmo critério intelectual de jogo limpo ao nosso próprio pensamento. Como nós naturalmente vemos nós mesmos como justos mesmo quando nós somos injustos, isso pode ser difícil. Um compromisso com uma mente aberta e o jogo limpo é um ponto de partida fundamental.

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Post dedicado ao dia 22/abril/2017, dia da Marcha pela Ciência.

 

Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

One Response to “As Virtudes e os Critérios Intelectuais Universais”

  1. As Virtudes e os Critérios Intelectuais Universais – Paulo Ribeiro

    […] Crédito: Thomas V. Conti Disponível em “Aos ombros de gigantes” […]

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