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Esse é um post escrito em resposta a uma provocação filosófica feita a mim no facebook por um professor da UnB estudioso do pensamento de Ludwig Von Mises e da Escola Austríaca em geral. Na época que o escrevi não o compartilhei publicamente no blog, mas, passado quase um ano, achei que poderia ser interessante disponibilizá-lo. Na discussão o professor propõe questões e assinala porque considera os princípios da Escola Austríaca os mais plausíveis. Para escrever uma resposta adequada senti-me na obrigação de ler parte significativa do livro “Ação Humana”, de Mises, recomendado pelo próprio professor como uma boa apresentação do pensamento austríaco de economia. Li o texto com gosto pois sabia que o professor tratava-se de um debatedor sério e estudado. Infelizmente, ele apenas “curtiu” este texto pelo facebook sem jamais respondê-lo. De toda forma, achei interessante a proposta original e mesmo em retrospectiva continuo achando que fiz críticas interessantes às ideias austríacas. A quem se interessar, segue reproduzido abaixo o debate.

[Edit 2 – Junho/2017] Escrevi este texto em 2013, quando ainda estava no primeiro ano do mestrado e tinha pouco conhecimento sobre a escola austríaca de economia. Hoje certamente não teria escrito o texto dessa forma e preciso voltar a ele quando tiver tempo. De toda forma, a alteração mais importante é no título do texto: as críticas que fiz à época estão mais direcionadas à relação entre a praxeologia e a investigação histórica.  Naquela época eu ainda não conhecia as divergências internas dentro da escola austríaca, a baixa adesão da perspectiva praxeológica e até mesmo as críticas que ela recebeu de austríacos importantes, com claro destaque para as críticas de Hayek, expressas principalmente em cartas.  Com muita caridade filosófica e entendendo os comentários que fiz como críticas preliminares de alguém que à época não entendia muito bem nem a filosofia da história nem a história da escola austríaca, acredito que o texto abaixo possa ainda ter algum valor e por isso o mantenho aqui mesmo acreditando que deveria ser substancialmente revisado.


Reproduzo aqui os questionamentos do professor:

  • Embora o Homem seja um animal político, se Aristóteles me permite parafraseá-lo, e a Economia seja uma ciência (não similarmente à Física) que estuda o Homem em suas relações econômicas, é um erro tratar os problemas econômicos sob o ângulo estreito das ideologias políticas. O egoísmo que filosoficamente caracteriza o Homo Oeconomicus é ou não é uma realidade da vida? Eis a questão fundamental. Para mim é; para outros, não, o que justifica a crença destes quanto à necessidade de ajustamento moral do Homem, por um poder tirano, ao que consideram politicamente correto. É legítimo, do ponto de vista epistemológico, condenar a busca pessoal da satisfação, sob qualquer forma de excedente, como moralmente equivocada? Se o egoísmo é condenável, ele o é substancialmente ou meramente por um acidente histórico e cultural? Qualquer que seja o caso, uma doutrina econômica que vise a coibi-lo em prol de uma pressuposta fraternidade econômica é viável ou só se impõe mediante a tirania de um grupo? Se o egoísmo do Homo Oeconomicus é, ao contrário, íntrinseco à natureza humana, como compreender as suas consequências práticas? O que deduzo graças a anos de mergulho na teoria econômica, na filosofia – e até mesmo na psicologia – e graças às reflexões sobre minhas experiências no mundo fora da Academia, é que os princípios econômicos da Escola Austríaca são os mais plausíveis. A razão principal para isso é que a posição política implicada por esses princípios é uma consequência lógica dos pressupostos epistemológicos da ação humana e esses pressupostos decorrem, por sua vez, de uma profunda reflexão sobre a natureza humana. O modus intellegendi da natureza do fato precede a posição política, não o contrário. Creio que Ortega y Gasset, em “La Rebelión de las Masas”, praef. IV, resumiu muito bem essa insatisfação com aqueles que politizam a priori a análise dos fenômenos e vêem o mundo sob a lente dicotômica esquerda-direita, em vez de ver o mundo apenas como o locus habitandi do Homo Oeconomicus.

     

  • “La misión del llamado ‘intelectual’ es, en cierto modo, opuesta a la del político. La obra intelectual aspira, con frecuencia en vano, a aclarar un poco las cosas, mientras que la del político suele, por el contrario, consistir en confundirlas más de lo que estaban. Ser de la izquierda es, como ser de la derecha, una de las infinitas maneras que el hombre puede elegir para ser un imbécil: ambas, en efecto, son formas de hemiplejía moral. Además, la persistencia de eses calificativos contribuye no poco a falsificar más aun la ‘realidad’ del presente, ya falsa de por sí, porque se há rizado el rizo de las experiencias políticas a que responden, como lo demuestra el hecho de que hoy las derechas prometen revoluciones y las izquierdas prometen tiranías”.


Resposta

Caro professor, interessantíssimas suas reflexões, e o livro recomendado parece igualmente frutífero – buscarei mais informações sobre ele e o autor! Dado o inteligente estímulo da problematização, raro de se encontrar nos dias de hoje, gostaria de aproveitar para debater a questão do homem egoísta e do pensamento da escola austríaca.

Primeiro, por reciprocidade ao seu posicionamento intelectualmente honesto, devo também me posicionar abertamente quanto às afirmativas e aos questionamentos que você colocou.

a) Pontos em que concordo plenamente:

  • 1. de fato é um erro tratar os problemas econômicos sob o ângulo estreito das ideologias políticas;
  • 2. o egoísmo é uma realidade da vida.

b) Pontos em que concordo parcialmente:

  • 1. Por ser inerente à realidade da vida, o egoísmo per se não é epistemologicamente condenável, porém devemos ponderar que egoísmo per se tampouco leva a ações que são uma virtude no sentido de Kant, isto é, máximas da ação que podem sempre tornarem-se uma lei universal. Isto é, sua moralidade não é inerentemente espúria porém tampouco é inerentemente aceitável e generalizável: pode (e deve) ser questionada circunstancialmente;
  • 2. Concordo que um grupo tirano não tem premissa moral para intervir sobre o egoísmo de outrem, dado que a tirania pressupõe igualmente o mesmo mal da satisfação do desejo de poucos às custas dos demais;
  • 3. Contudo, é discutível se é ou não necessária a “necessidade de ajustamento moral do homem por outro grupo de homens”. Pessoalmente, tendo a concordar com você e pensar que não é necessária. Entretanto, discordo de que o poder em seu sentido político seja epistemologicamente sinônimo de tirania, uma vez que ao menos em teoria a base filosófica da democracia seria a subordinação dos mecanismos do governo ao debate e a decisão democrática dos cidadãos. Estritamente nesse sentido democrático, considero que manifestações doentias de egoismo que sejam prejudiciais à liberdade dos demais podem ser objeto de considerações políticas e, no limite, serem justamente deliberadas como inaceitáveis.

c) Ponto em que me oponho frontalmente:

  • 1. Reconheço a importância filosófica dos pensadores austríacos, porém não acredito que os princípios da Escola Austríaca de economia sejam os mais plausíveis para compreendermos as consequências práticas da ação humana, mesmo quando toma-se por base a natureza egoísta do homem e a liberdade como seu valor máximo.

Vou argumentar sobre o ponto (c), visto que é onde mais discordamos. Evidente que me é impossível rebater toda uma escola de pensamento, e mesmo no que posso criticar serão críticas insuficientes visto que não passam de poucos parágrafos. Entretanto, tentarei argumentar de forma humilde buscando apenas mostrar algumas das minhas incompatibilidades com o pensamento de Mises.

Primeiro, a epistemologia da ação humana de Mises é historicamente anterior à definição precisa dos conceitos de Liberdade Positiva e Liberdade Negativa, ainda que já existissem de certa forma em Hegel. De forma sintética, a liberdade positiva é a “liberdade para fazer x”, enquanto a liberdade negativa seria o “liberdade da influência (externa) de x” (mais facilmente visualizada se pensarmos em inglês, “freedom to” e “freedom from”). A ideia geral de liberdade é um equilíbrio tenso entre essas duas formas. Um individuo que seja literalmente livre para fazer o que quiser cerceia a liberdade de todo o restante da sociedade, pois ninguém se verá potencialmente livre da sua ação (liberdade positiva máxima, liberdade negativa zero); por oposição, se houver liberdade total contra a ação de outros indivíduos, nenhum individuo será realmente livre. Nesse ponto Mises é irredutivelmente claro já na introdução:

  • “A descoberta da inevitável interdependência dos fenômenos do mercado destronou essa opinião. Desnorteadas, as pessoas tiveram de encarar uma nova visão da sociedade. Aprendendo estupefatas que existe outro aspecto, diferente do bom e do mau, do justo e do injusto, segundo o qual a ação humana podia ser considerada.” (Mises, Ação Humana, p. 22)

Estou ciente de que nesse enxerto Mises está descrevendo o pensamento clássico. Contudo, ele mesmo não critica essa visão do mercado como uma instituição que está a priori além do bom e do mau, do justo e do injusto. É uma perspectiva filosófica válida, mas sem dúvida questionável. “Convém duvidar de tudo”, diria Marx, ao meu ver não sem alguma razão. O mercado pode fornecer algumas liberdades, mas também pode fornecer fortes mecanismos de constrangimento à ação humana. Na economia de mercado o dinheiro sempre é ao mesmo tempo uma fonte de riqueza e uma fonte potencial de poder, uma entidade acima dos indivíduos que é capaz de comandar a ação de uns em prol de fins que lhe são alheios. Pode-se usar de epistemologias filosóficas para dar ares de naturalidade a esse problema, porém a realidade permanece inexorável nesse quesito. Corrupção pública e privada, chantagem, conflitos de interesse, conflitos de agência, manipulação de leis, compra de opiniões, de corpos e de mentes sempre serão possíveis em um mundo onde algumas poucas pessoas ganham por mês mais do que alguns ganharão ao longo da vida inteira.

Mises advoga pelas liberdades plenas de mercado livre de qualquer governo na economia, porém diz que todo indivíduo deverá ajustar suas ações segundo as leis do mercado caso queira ser bem sucedido. Ele é explícito ao dizer que a desigualdade é essencial para o funcionamento da economia de mercado (p. 347-9 da obra Ação Humana), cujo livre funcionamento seria por sua vez o pilar fundamental para a sociedade livre. Contudo, parece reconhecer que todos os indivíduos estarão sim constrangidos por forças externas nessa sociedade. Essa força externa seria o mercado, cujo funcionamento normal contém diversos riscos potenciais de abuso de poder, como exemplifiquei acima. Em alguns enxertos Mises percebe o problema, mas não o questiona devido às suas definições filosóficas feitas a priori. As implicações da desigualdade para a liberdade humana são um debate centenário, que infelizmente de forma direta o autor dedica apenas duas páginas para discutir na “Ação Humana”; e, ainda que curto, no meu julgamento também não é o trecho mais lúcido da obra (assumo que ainda não terminei de lê-la por completo).

Por fim, pessoalmente considero insuficiente enxergar como mais plausível a Escola Austríaca na base de “que a posição política implicada por esses princípios é uma consequência lógica dos pressupostos epistemológicos da ação humana e esses pressupostos decorrem, por sua vez, de uma profunda reflexão sobre a natureza humana.” Ora, como você mesmo colocou de início, se o homem é um animal político, ao meu ver há uma potencial circularidade nesse raciocínio. A praxeologia tem por base definições epistemológicas e apriorísticas realizadas por Mises, baseadas na visão pessoal do próprio Mises sobre a natureza humana (não na história, base factual cuja validade científica ele critica, nem na antropologia ou em qualquer estudo que seja que escape da economia ou da praxeologia). Partindo dessa visão muito restritiva do homem, suas conclusões são científicas por serem lógicas ou são suas definições a priori cuidadosamente colocadas para fornecer como resultado lógico um posicionamento político desejado?

Evidentemente ninguém tem capacidade de responder de forma definitiva essa questão, podemos apenas traçar hipóteses em que podemos acreditar mais ou menos conforme nossas visões e experiências pessoais. É evidente também que esse não é um problema que abrange apenas Mises, mas sim todos os intelectuais que se dedicam a estudos que envolvem o Homem. Destarte, meu ponto é que epistemologicamente ou cientificamente não vejo nenhum brilhantismo específico e único à Escola Austríaca que seja capaz de lhe atribuir qualquer caráter excepcional de plausibilidade.

Apenas para reforçar esse argumento, levanto a questão dos ramos do saber que foram mais influenciados por essa Escola. Temos contribuições e avanços significativos dessa linha de pensamento nos campos da Filosofia e da Economia, e apenas em grau muito menor na Sociologia. Percebe-se que não houve influência significativa desse pensamento sequer na história econômica, quanto mais em áreas dos historiadores em geral (e a história é uma das áreas mais vastas e inesgotáveis possíveis!). Isso não decorre de qualquer falta de capacidade da parte de seus grandes intelectuais, cujo raciocínio era sem dúvida privilegiado, mas sim da completa impossibilidade de ajustar os princípios dessa teoria para descrever a realidade com algum pé na História. O pecado original de qualquer historiador, no que se incluem os historiadores econômicos, é o anacronismo: a ética do historiador é buscar ao máximo analisar e explicar os elementos de um período, seja ele qual for, tentando se colocar na posição dos agentes daquele tempo, da sociedade daquele tempo, da realidade daquele tempo, e buscar tanto quanto for possível construir as conexões principais tendo como base os fatos passíveis de serem conhecidos, seja por documentos, cartas, relatos, histórias narradas, literatura da época, etc.

Para profissionais que buscam estudar e pesquisar a história em geral e a econômica em específico, ou mesmo pessoas que não pesquisam mas entendem a importância de pensar os problemas historicamente, é impossível levar adiante a visão austríaca da economia, a menos que já de início se deseje ser um péssimo historiador ou um péssimo entendedor de questões históricas. Como diz Mises sobre a praxeologia:

  • “[O objetivo da praxeologia] é o conhecimento válido para todas as situações onde as condições correspondam exatamente àquelas indicadas nas suas hipóteses e inferências. Suas afirmativas e proposições não derivam da experiência. São como a lógica e a matemática. Não estão sujeitas a verificação com base na experiência e nos fatos. São tanto lógica como temporalmente anteriores a qualquer compreensão de fatos históricos.” (Mises, Ação Humana, p. 59)

Se se colocar essa afirmação sobre a praxeologia diante de qualquer historiador ou profissional que faça uso recorrente da história, como antropólogos, sem que ele seja um adepto do historicismo alemão criticado por Mises ou faça uso de qualquer noção de determinação no processo histórico, ele lhe dirá de imediato que tal concepção é a antítese perfeita de qualquer noção de História e a antítese de qualquer entendimento não-anacrônico de uma sociedade qualquer ao longo do tempo. No caso da história econômica, incluem-se aí o estudo dos fatores econômicos da vida humana.

Destarte, ao meu ver a Escola Austríaca continuará fadada a esses campos restritos do pensamento que permitem a especulação lógica porém potencialmente infindável e irrealizável: a economia e a filosofia. Como economista voltado para o estudo da historia econômica, não tenho como aceitar esses pressupostos sem negar a própria história, sem negar o pilar fundamental do meu próprio objeto de estudo. Uma coisa é negar uma certa filosofia de análise, uma ideologia ou determinado viés político na análise; outra completamente distinta é uma ciência negar o seu próprio objeto de análise. Em outras palavras, parece-me que as afirmações “A história existe” e “A praxeologia existe” são incompatíveis entre si. De minha parte, fico com a primeira.

(Ressalto, ademais, que ao longo das páginas que li da Ação Humana encontrei alguns erros históricos crassos que não me surpreenderia se até hoje nenhum historiador tivesse sequer achado relevante dedicar tempo para criticar essas imprecisões do autor; é tão evidente o descaso de Mises para com a importância de um estudo erudito da história que considero por demais fortuito para ele mesmo que ele seja um crítico do historicismo e da validade da história em geral.)

São essas as singelas considerações que faço acerca dos seus comentários. Agradeço novamente as provocações filosóficas e adoraria receber uma resposta com comentários seus e de quem mais se propor ao debate.

Abraços, Thomas Conti
A Escola Austríaca de Von Mises contra a História

Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

3 Responses to “A Praxeologia de Von Mises contra a História”

  1. Danilo Henrique

    Excelente resposta,não tenho como me prolongar muito nesses comentários, mas tenho 2 pontos que devem ser frisados:

    1 – “Primeiro, a epistemologia da ação humana de Mises é historicamente anterior à definição precisa dos conceitos de Liberdade Positiva e Liberdade Negativa, ainda que já existissem de certa forma em Hegel.”

    De forma alguma. Immanuel Kant, em sua Fundamentação da Metafísica dos Costumes já define o conceito de liberdade negativa e liberdade positiva. Após ele Schopenhauer realiza uma crítica a essa dualidade de conceitos, e, delimita somente a liberdade dita positiva como o conceito em si de liberdade.

    2 – A EA parte de modelos lógicos abstratos para concretos, o que é propriamente, a formação de um “juízo sintético”, o estudo histórico, por sua vez, procura o contrário. Ele parte de um fenômeno já prescrito para destrinchá-lo, minuciosamente, em diversas particularidades, ou seja, realiza um pensamento que busca a construção de juízos analíticos, Como você mesmo disse:

    “a ética do historiador é buscar ao máximo analisar e explicar os elementos de um período, seja ele qual for, tentando se colocar na posição dos agentes daquele tempo, da sociedade daquele tempo, da realidade daquele tempo, e buscar tanto quanto for possível construir as conexões principais tendo como base os fatos passíveis de serem conhecidos, seja por documentos, cartas, relatos, histórias narradas, literatura da época, etc.”

    Portanto, a questão é que a EA naturalmente se distancia do modo de juízo das questões históricas, o que torna a comparação entre ambos, ausente de qualquer sentido racional.

    Isso não constitui de argumento nem para a negação da história e tampouco para a negação lógica da EA.

    Penso, que, portanto, a EA não é compatível como objeto do seu estudo particular (como você mesmo disse), mas isso não significa que ela não sirva como objeto de estudo para relações lógicas entre homens, como penso que é, justamente, o propósito da Ação Humana de Mises.

    E ainda que a sociologia e a história neguem qualquer tipo de natureza a priori do ser humano, é necessário frisar que, uma vez que tais ciências procuram o estudo analítico da sociedade, elas jamais poderiam encontrar tal natureza universal do comportamento. Não se pode encontrar juízos universais no estudo de objetos particulares. Isso é ponto pacífico desde Aristóteles até Kant.

    Dessa forma, ainda que a sua resposta seja válida, ela não consiste de uma contra argumentação real à colocação do primeiro professor

    Para tal, seria necessário que você realizasse a passagem do juízo analítico para o sintético, que é, equivalente nas ciências exatas, à passagem do raciocínio geométrico para o algébrico.

    Claro que, não se exige da história que realize tal salto, pois diferente das ciências exatas, a simples abstração da história não é suficiente para reduzi-la a um modelo único

    Dessa forma, tanto o modelo histórico, analítico, como o modelo sintético, usado pela EA, se sobrepõem.

    Cabe a um novo modelo propor uma dialética entre esse termos.

    Penso que este é o desafio intelectual de nosso século!

  2. Erik HG

    Substituindo frutas por agentes humanos, temos aqui uma explicação interessante do método austríaco de como saltar de modelos lógicos abstratos para chegar ao fato concreto, ou então a “formação de um juízo sintético”:

    – Tudo que há de fácil no ato de chegar, partindo das frutas reais à representação abstrata “a fruta”, há de difícil no ato de engendrar, partindo da representação abstrata “a fruta”, as frutas reais. Chega a ser impossível, inclusive, chegar ao contrário da abstração ao se partir de uma abstração, quando não desisto dessa abstração.

    Por isso o filósofo especulativo desiste da abstração da “fruta”, porém desiste dela de um modo especulativo, místico, ou seja, mantém a aparência de não desistir dela. Na realidade, portanto, ele apenas abandona a abstração de maneira aparente. Ele raciocina a respeito disso mais ou menos conforme segue:

    Se a maçã, a pêra, a amêndoa, o morango na verdade não são outra coisa que “a substância”, “a fruta”, cabe perguntar-se: como é que “a fruta” por vezes se me apresenta na condição de maçã e por outras na condição de pêra ou amêndoa? De onde provém esta aparência de variedade, que contradiz de modo tão sensível a minha intuição especulativa da unidade, “da substância”, “da fruta”?

    Isso provém, responde o filósofo especulativo, do fato de que “a fruta” não é um ser morto, indiferenciado, inerte, mas sim um ser vivo, diferenciado, dinâmico. A diferença entre as frutas profanas não é importante apenas para o meu entendimento sensível, mas o é também para “a própria fruta”, para a razão especulativa. As diferentes frutas profanas são outras tantas manifestações de vida da “fruta una”, cristalizações plasmadas “pela própria fruta”, Na maçã, por exemplo, “a fruta” adquire uma existência “maçãnica”, na pêra uma existência “pêrica”. Não devemos mais dizer, portanto, como dizíamos do ponto de vista da substância, que a pêra é “a fruta”, que a maçã, ou a amêndoa etc., é “a fruta”, mas sim que “a fruta” se apresenta na condição de pêra, na condição de maçã ou amêndoa, e as diferenças que separam entre si a maçã da amêndoa ou da pêra são, precisamente, distinções entre “a própria fruta”, que fazem dos frutos específicos outras tantas fases distintas no processo de vida “da fruta” em si. “A fruta” já não é mais, portanto, uma unidade carente de conteúdo, indiferenciada, mas sim uma unidade na condição de “totalidade” das frutas, que acabam formando uma “série organicamente estruturada”. Em cada fase dessa série “a fruta” adquire uma existência mais desenvolvida e mais declarada, até que, ao fim, na condição de “síntese” de todas as frutas é, ao mesmo tempo, a unidade viva que contém, dissolvida em si, cada uma das frutas, ao mesmo tempo em que é capaz de engendrar a cada uma delas, assim como, por exemplo, cada um dos membros do corpo se dissolve constantemente no sangue ao mesmo tempo em que é constantemente engendrado por ele.

    Vê-se bem: se a religião cristã apenas sabe de uma encarnação de Deus, a filosofia especulativa possui um número infinito de encarnações, correspondente ao número de coisas existentes, conforme revela o fato de que em cada fruta ela vê uma encarnação da substância, da fruta absoluta. O que interessa fundamentalmente à filosofia especulativa é, portanto, o ato de engendrar a existência dos frutos reais e profanos e o fato de dizer de um modo misterioso que há maçãs, pêras, amêndoas e passas. Mas as maçãs, as pêras, amêndoas e passas que voltamos a encontrar no mundo especulativo não são mais do que maçãs aparentes, pêras aparentes, amêndoas aparentes e passas aparentes, pois são momentos vitais “da fruta”, desse ser intelectivo abstrato e, portanto, seres intelectivos abstratos elas mesmas. O que alegra na especulação é, por conseguinte, voltar a encontrar todas as frutas reais, porém na condição de frutas dotadas de uma significação mística mais alta, frutas que brotam do éter de teu próprio cérebro e não do solo material, que são encarnações “da fruta”, do sujeito absoluto. Portanto, quando retornas da abstração, do ser intelectivo sobrenatural – “a fruta” – às frutas naturais, o que tu fazes, ao contrário, é atribuir também às frutas naturais um significado sobrenatural, transformando-as em puras abstrações. Teu interesse fundamental é, no final das contas, provar a unidade “da fruta” em todas essas suas manifestações vitais, a maçã, a pêra, a amêndoa, quer dizer, a conexão mística entre essas frutas e como em cada uma delas se realiza, gradual e necessariamente, “a fruta”, como, por exemplo, a passa progride de sua existência de passa à sua existência de amêndoa. O valor das frutas profanas não mais consiste, por isso, em suas características naturais, mas sim em sua característica especulativa, através da qual ela assume um lugar determinado no processo vital “da fruta absoluta”.

    O homem comum não acredita estar dizendo nada de extraordinário quando diz que há maçãs e há pêras. Mas o filósofo, quando expressa a referida existência de maneira especulativa, diz algo extraordinário. Ele realizou um milagre, ele engendrou do seio do ser intelectivo irreal “a fruta”, os seres naturais reais maçã, pêra etc.; ou seja, ele criou essas frutas do seio de seu próprio intelecto abstrato, que ele representa para si mesmo como um sujeito absoluto fora de si – no caso concreto como “a fruta” – e em cada existência que expressa ele leva a cabo um ato de criação.

    Naturalmente resta dizer que o filósofo especulativo apenas leva a cabo essa contínua criação ao encaixar furtivamente, como se fossem determinações inventadas por ele mesmo, propriedades da maçã, da pêra etc. que são conhecidas universalmente e apresentadas à intuição real, atribuindo os nomes das coisas reais àquilo que apenas o intelecto abstrato pode criar, ou seja, às fórmulas abstratas do intelecto; declarando, enfim, sua própria atividade, através da qual ele passa da representação maçã à representação pêra, como a autoatividade do sujeito absoluto, “da fruta”.

    A essa operação dá-se o nome, na terminologia especulativa, de conceber a substância na condição de sujeito, como processo interior, como pessoa absoluta, concepção que forma o caráter essencial do método hegeliano.

    (Marx: “O mistério da construção especulativa”. Capítulo V de “A Sagrada Família”, parte II.)

  3. Tadeu

    Sob o ponto de vista psicológico há alguns questionamentos ao autor da obra também. Pode-se perceber que Mises teve forte influência do pensamento do eminente psiquiatra, austríaco e vienense, Adolf Adler, que tem uma bela teoria sim sobre o homem do ponto de vista psicológico, porém apenas de um ponto de vista.

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