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O presidente tem defendido que a pandemia só vai parar quando atingirmos a imunidade de rebanho e que “70% da população será infectada de toda forma“. Segue explicação do que é imunidade de rebanho e por que essa segunda afirmação é errada e muito perigosa.

O contágio do vírus ocorre quando uma pessoa contagiosa encontra uma vulnerável. Quanto menos pessoas ela encontrar, menor a velocidade. Conforme população é infectada e se cura, parte adquire imunidade e com isso se tornam um freio natural ao contágio, como ilustra a imagem abaixo:

No entanto, é preciso que percentual muito grande da população seja infectado para que essa imunidade seja relevante. Uma aproximação é a fórmula 1-1/R0. No caso do Covid, isso significa entre 55% e 82% da população total.

Se supusermos uma taxa de letalidade real muito otimista de 0,3% e imunidade de rebanho muito otimista a partir de 55% da população infectada, estaríamos falando de pelo menos 346 mil mortos. Não parece um número que trará alguma tranquilidade para a população brasileira.

Mas a imunidade de rebanho é apenas um % da população que a epidemia naturalmente começa a frear. Ela NÃO para de imediato. Há um “overshoot”: infecções que continuam após o ponto de imunidade, apenas o fazem mais lentamente. Por exemplo, com imunidade de rebanho começando em 60% da população total, outros 30% da população seriam infectados, como ilustra a figura abaixo.

Ou seja, se assumirmos essa imunidade de rebanho de 70% que fala o presidente e o overshoot que começará a partir dela, praticamente 100% da população seria infectada. O que ele está defendendo é o mesmo que não fazermos nada e aceitarmos a letalidade cheia do coronavírus.

A situação se torna ainda mais grave dado que o mundo ainda não tem conhecimento pleno sobre como funciona a imunidade ao coronavírus, quão forte ela é e por quanto tempo dura. Na Coreia do Sul, 160 pessoas que já tiveram o vírus testaram positivo de novo.

É possível que essas reinfecções sejam casos do vírus dormente no corpo, sem se recuperarem por completo, e depois de um tempo com alta o vírus voltou a criar uma infecção generalizada. Mas ainda não sabemos ao certo e esse desconhecimento precisa ser levado em conta em uma eventual decisão de não fazer nada.

Outro ponto que faz o mundo preferir não arriscar o coronavírus infectar todos é que não sabemos a extensão do dano que ele causa nos pacientes recuperados. Há pesquisas sobre perda de capacidade pulmonar, dano ao coração e rins em pacientes recuperados.

Por fim, essa fala ignora que todo o esforço de contenção da pandemia é no limite uma gestão do tempo. 70% ser infectado em 2 meses de forma descontrolada é muito diferente de ocorrer em 2 anos de forma controlada. É a diferença entre a saúde colapsar ou não e salvar muitas vidas.

É possível conter o contágio para que ele não atinja 70% da população ou só avance tanto após termos remédios e tratamentos eficazes. É possível suprimir a primeira onda. Para um apanhado mais longo do que epidemiologistas, economistas e outros pesquisadores do mundo estão propondo, vale a pena dar uma olhada no meu estudo sobre a Crise Tripla do Covid-19.

Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

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