“Apostas são uma forma prática de impor custos ao hábito gratuito de acreditar em bobagens.”
Embora possa parecer só uma frase de efeito, na verdade a ideia básica por trás dela vem de um instigante trabalho do economista Bryan Caplan. No artigo “Ignorância Racional versus Irracionalidade Racional”, Caplan demonstra como aquilo que acreditamos está intimamente relacionado com os custos e benefícios que essas crenças podem nos trazer caso estejam equivocadas. Segue uma breve explicação e alguns exemplos.
Ignorância Racional
Ignorância Racional é o conceito que descreve o comportamento de quando você prefere se manter acreditando em algo que já acreditava do que arcar com os custos de se informar melhor. Isso acontece muito, por exemplo, na política. Do lado dos custos, obter boas informações sobre política toma tempo e é de lento aprendizado. Do lado dos benefícios, exceto se você quiser se envolver profissionalmente com a política, serão raríssimas as ocasiões que ser bem informado politicamente valerá os gastos e o tempo que você dedicou a isso.
Como consequência, a maioria das pessoas preferirem se manter ignorantes sobre a política é uma preferência racional. Qual a relação disso com a frase inicial sobre apostas? Quando você coloca um benefício real diante de alguém – por exemplo, ganhar R$10 para cada R$1 apostado, passa a ser atrativo arcar com os custos de se informar melhor sobre o tema em que se aposta. Arrisquei, inclusive, uma prova conceitual.
Em maio de 2017 havia um boato conspiratório muito generalizado correndo pelas redes de que não haveria eleições em 2018, com muita gente bem educada acreditando nisso. Como eu já havia arcado com os custos de me informar devidamente e já sabia que as notícias sobre não haver eleições em 2018 eram falsas, lancei publicamente uma aposta: ofereci pagar R$11 para cada R$1 na posição de que haverá eleições em 2018 normalmente. Mesmo os muito crentes na hipótese de que não haveria eleições, uma vez diante da aposta, caso quisessem apostar contra mim passariam a ter um incentivo para fazer a lição de casa e verificar os fatos antes de bater o martelo de vez e apostar.
Como consequência, mesmo com muitas pessoas à época convictos nisso, pouquíssimas tiveram interesse em apostar algo – e as que apostaram, apostaram pouco dinheiro. Porém, se você estivesse de fato convicto e tivesse certeza que está certo, você apostaria muito mais, não? Isso levaria a discutirmos outro ponto passivo na literatura econômica: acredite no que as pessoas de fato fazem, não no que elas dizem. Mas a exposição dos motivos para isso terá que ficar para outro momento.
A ignorância racional acontece não só em política, mas em várias outras situações, como por exemplo a relação das pessoas com a fronteira da ciência. Acompanhar a fronteira científica é custoso e trabalhoso tanto em tempo ou até em dinheiro. Isso gera uma reação racional de preferir manter-se ignorantes sobre o tema. Contudo, quando o desconhecimento pode custar caro, as pessoas procuram se informar melhor – por exemplo, buscando informação de especialistas renomados.
Irracionalidade Racional
A Irracionalidade Racional opera da seguinte forma. Há todo tipo de crenças irracionais, de acreditar em OVNIs, Papai Noel (ou que não haverá eleições em 2018, rs). Para além da verdade por trás dessas crenças, acreditar nelas pode ainda assim fornecer algum tipo de sensação de conforto, ou fazer com que você se sinta parte de uma comunidade coesa.
Esses são benefícios reais de crenças irracionais.
Se os custos ou consequências ruins de manter essas crenças forem baixos, talvez você as mantenha indefinidamente. Porém, se os custos de manter essas crenças forem altos, a chance de você abandoná-las é grande. Uma área onde podemos encontrar muitos exemplos disso é a medicina.
No Brasil e no mundo muitas pessoas acreditam em signos, homeopatia ou acupuntura. O que essas coisas tem em comum? Ora, é tão simples: os custos de acreditar nelas são baixos! Exceto se você abandonar a medicina real em favor delas, essas práticas em si mesmas não trazem grande efeito colateral e acreditar nelas pode fazer com que você se sinta bem. Não por menos, todo homeopata ou charlatões em geral passarão toda a confiança do mundo de que não há efeitos colaterais. Intuitivamente, eles sabem que do contrário ficará difícil convencer as pessoas de algo extraordinário, como comprar potinhos de água curará doenças difíceis.
Por outro lado, muito menos pessoas defenderão o uso de medicina alternativa para curar pessoas que quebraram a perna, para curar uma infecção de fato grave ou abandonar a sua própria vacinação. Por que? Porque nesse caso os custos de manter crenças irracionais passa a ser muito substancial e o benefício trazido pelo conforto da crença irracional deixa de compensar.
Voltando para a afirmação que fiz sobre a aposta, apostas também atacam esse problema diretamente. Uma vez que a pessoa se coloca na situação de apostar, ela terá que avaliar se ela <realmente> acredita na racionalidade daquilo à despeito dos custos que essa crença pode trazer, ou se a crença era só algo que ela mantinha porque – apesar de irracional – trazia conforto ou era conveniente para outros interesses, como se sentir parte de uma comunidade com crenças similares.
Logo, é devido a esses dois fatores (ignorância racional e irracionalidade racional) que podemos afirmar que “Apostas são uma forma prática de impor custos ao hábito gratuito de acreditar em bobagens.”
Excelente! Me lembro do episódio de você apostando com todo mundo sobre as eleições, e partir daí vi mais pessoas fazerem o mesmo. O intuito era claro: perdas materiais são um baita incentivo pra gente considerar seriamente o que estamos fazendo. Agora, com teu esclarecimento, tudo faz muito mais sentido em termos psicológicos/comportamentais/econômicos. A fim de estimular cada vez mais pessoas a combater ignorâncias e irracionalidades, preciso divulgar essa ideia…
Vivo de apostas e sofro destes dilemas todos os dias quando assisto e analiso jogos.
Exelente.