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O debate sobre as consequências econômicas do ato de dar presentes começou com o artigo de “A Perda de Peso Morto do Natal”, publicado por Joel Waldfogel em 1993 na American Economic Review.[1] Na linha oposta dos economistas que costumavam elogiar os efeitos benéficos do aumento do consumo na época de Natal, Waldfogel destacou o potencial de má-alocação de recursos e destruição de valor envolvido no ato de dar presentes.

Basicamente, todo o problema é que no ato de dar um presente, outra pessoa está usando recursos para escolher por você. Há uma chance dela “acertar” no presente e escolher tão bem quanto você escolheria, mas dado que ela tem menos informações que você e é impossível que ela conheça suas preferências a contento, o mais provável é que você valore o presente menos do que o custo que o presente teve para quem o comprou.

No teste empírico de Waldfogel, de cada R$100 gasto para dar presentes, quem os recebe os valorou em média em torno de R$87. Ou seja, dar presentes poderia causar uma perda de valor econômico da ordem de 13% do valor gasto. Para que isso não ocorresse, uma alternativa seria presentear as pessoas com dinheiro ao invés de objetos. Assim, quem recebe o presente gastaria com o que considera melhor para si.

Mas claro, tratando-se de uma publicação acadêmica, o artigo não esgotou o tema. Houve críticas e se seguiu todo um debate sobre as consequências de dar presentes para a eficiência alocativa. Três anos após a publicação de Waldfogel foi publicada a crítica de Solnick & Hemenway.[2] Nela, os autores não apenas criticaram o teste empírico de Waldfogel, como fizeram um teste alternativo. Perguntaram para um conjunto maior de pessoas quanto elas receberiam em dinheiro para ter um bem-estar equivalente ao do presente recebido, excluindo-se o valor sentimental. O resultado foi que dar presentes não só não destruía valor, como ainda poderia criar valor na ordem de duplicar (+100%) o valor gasto por quem deu o presente.

Uma crítica aos dois resultados veio em 1998. List & Shogren apontaram problemas tanto no teste empírico de Waldfogel quanto no de Solnick & Hemenway. Mediante um teste experimental replicando as metodologias anteriores e um inédito usando leilões, os autores encontraram geração de valor econômico no ato de dar presentes. Mas a escala do ganho foi bem menor, em torno de 21%.[3] Aparentemente, não era tão certo assim que presentes causariam uma alocação ineficiente de recursos.

Esses resultados divergentes foram criticado por Waldfogel em 1998.[4] Ele aponta o problema de que há um estigma social generalizado contra o ato de dar presentes em dinheiro que explicaria por que os participantes do teste de Solnick & Hemenway pediam valores tanto acima dos custos para ter um benefício equivalente. Já o leilão de List & Shogren incorreu no problema de revelar o quanto os participantes valoravam os objetos na <venda> deles, e não na compra. E é reconhecido na literatura que os valores de disposição a vender das pessoas são em geral maiores que os de compra.

Para complicar mais o debate, Ruffle & Tykocinski mostraram que os experimentos realizados pelos pesquisadores para tentar captar o valor atribuído por quem recebia os presentes eram sensíveis à forma como era colocada a pergunta. Perguntar o quanto acreditavam que o presente custou antes de perguntar quanto valoravam o presente chegava a um resultado até 20% diferente de perguntar o valor antes do custo… dentre outros problemas.[5]

O resultado do debate empírico pode ter sido inconclusivo a respeito de se dar presentes gera alguma ineficiência alocativa ou não, porém gerou uma discussão metodológica[6] muito interessante que teve desdobramentos em outros tipos de problema, além de provocar diversos outros pesquisadores a investigar a economia do ato de dar presentes.

Referências:
[1] Waldfogel, J. (1993). The Deadweight Loss of Christmas. The American Economic Review, 83(5), 1328–1336.
[2] Solnick, S. J., & Hemenway, D. (1996). The deadweight loss of Christmas: comment. The American Economic Review, 86(5), 1299-1305.
[3] List, J. A., & Shogren, J. F. (1998). The deadweight loss of Christmas: comment. The American Economic Review, 88(5), 1350-1355.
[4] Waldfogel, J. (1998). The deadweight loss of Christmas: reply. The American Economic Review, 88(5), 1358-1360.
[5] Ruffle, B. J., & Tykocinski, O. (2000). The deadweight loss of Christmas: comment. American Economic Review, 90(1), 319-324.
[6] Solnick, S. J., & Hemenway, D. (2000). The deadweight loss of Christmas: Reply. American Economic Review, 90(1), 325.

Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

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