Utilitarismo e a Ética da Guerra
Resenha e Fichamento feitos a partir de:
Shaw, W.H. (2014). Utilitarianism and the ethics of war. In Eggleston, B. and Miller, D.E. (eds.) The Cambridge Companion to Utilitarianism. Cambridge University Press.
(Os hyperlinks no texto foram adicionados por mim apenas para quem quiser saber mais sobre um autor ou livro; nenhum deles constam no texto original.)
William Shaw é um filósofo moral americano com ótimos trabalhos publicados tanto sobre a ética utilitarista quanto sobre a ética da guerra. Destaco o livro Contemporary ethics: Taking account of utilitarianism (1999) e o artigo Utilitarianism and Resource to War (2011), sendo este segundo o texto que fundamenta a maior parte do capítulo de livro aqui resenhado. Contudo, esse capítulo não é a obra mais recente publicada pelo autor neste tema. Suas reflexões foram expandidas no interessante livro Utilitarianism and the ethics of war (2016).
O artigo de Shaw inicia retomando os nomes mais consagrados do utilitarismo: Jeremy Bentham, James Mill e John Stuart Mill. Segundo Shaw, embora a guerra tenha sido uma questão importante para os três pensadores, nenhum ofereceu um tratamento detalhado sobre duas questões chave: “(1) Quando, se alguma vez, somos moralmente justificados em fazer uma guerra e (2) se o recurso às armas for garantido, como nos é permitido lutar as guerras que fazemos?” (p. 303). A primeira seção do artigo retoma as reflexões dos autores clássicos do utilitarismo, em seguida Shaw busca responder a essas duas questões-chave que os clássicos não responderam.
Bentham, reconhecido pelo máxima utilitarista da “maior felicidade para o maior número de pessoas”, não poderia deixar de ser um grande crítico da guerra. Para ele, toda guerra são massas assassinando umas às outras para “gratificar a avareza ou orgulho dos poucos”, que raramente sofrem as misérias trazidas pelas guerras que dirigem. Para Bentham, guerras não trazem benefícios para a economia nacional. Contudo, Bentham admite que uma guerra defensiva pode ser justificada e há uma utilidade em ser capaz de arcar com os custos desse tipo de proteção. A retaliação, no entanto, não necessariamente é imediata. Exceto se a agressão sofrida por um Estado indique que avançará para a destruição da nação, Bentham considera a rendição mais prudente. De acordo com essas ideias, Bentham propunha reduzir as forças armadas das nações europeias e emancipar todas as “dependências distantes” (colônias).
James Mill não foi um crítico da guerra desde o princípio, mas tornou-se mais crítico com o passar do tempo, aproximando-se de diversas posições de Bentham, como o dano à economia nacional e a ruína das massas. Admitia, no entanto, guerras por auto-defesa ou até guerras preventivas. No ensaio Law of Nations (1825), James Mill argumentava em favor de: “(1) desenvolver um código claro de identificação dos direitos das nações e regular a conduta entre elas e (2) estabelecer um tribunal para executar essa lei pronta e acuradamente” (p. 305). Hoje temos o embrião dessas instituições na forma da ONU e do Tribunal Internacional da Justiça. Para Mill, nações podem recorrer à guerra apenas na violação de algum direito, quando a violação é grave e quando o remédio requer uma medida extrema como a guerra. As únicas finalidades justas para a guerra são a compensação de danos causados e a segurança ante novos danos — qualquer outra violência deveria ser ilegal pela lei das nações.
Destes três, John Stuart Mill foi o que menos discutiu diretamente as causas da guerra ou como evitá-la. Seu comentário mais direto foi no texto A Few Words on Non-Intervention (1859), no qual defende a não-intervenção em guerras civis, exceto para contrapor intervenções externas de outros governos. Não se deve intervir externamente quando o povo luta contra seu governo na defesa de instituições livres, mas também tal povo deve fazê-lo por suas próprias mãos. Ao comentar sobre a Guerra Civil Americana, Stuart Mill torceu para que o conflito se demorasse o suficiente para que a luta contra a escravidão se tornasse parte inequívoca dela. Considerava que a guerra por uma boa causa não era o pior dos males que uma nação poderia sofrer. Para ele, a violência política, como a rebelião e a insurreição, precisa ser justificada por uma causa justa que envolva níveis tão grandes e intensos de sofrimento, opressão ou tirania que sobrepujá-los valha “quase qualquer quantia de males presentes e perigos futuros”. Porém, mesmo com uma causa justa, para que se justifique uma rebelião ou insurreição ela deve também ter uma chance razoável de sucesso.
I. Quando, se alguma vez, podemos fazer a guerra?
Shaw considera que é extremamente improvável que qualquer guerra, vista como um todo, tenha sido um evento ou série de eventos que otimizaram o bem-estar da sociedade. É quase certo que haveria algum estado alternativo que teria chegado a resultados parecidos com melhor fundamento utilitário, inclusive para cada nação tomada individualmente. Por isso que guerras são comumente vistas como loucura coletiva. No entanto, o problema diante de qualquer Estado individual não é como todos os Estados deviriam agir, mas como ele deveria agir naquela situação em que está.
O importante a se destacar do argumento de Shaw é que do ponto de vista utilitarista não é suficiente que os benefícios da guerra superem seus custos, levando em conta o interesse de todos. Também não pode haver um caminho alternativo de ação aberto ao Estado que o levaria a melhores resultados. Exemplos: não reagir à provocação, conceder terras ou influências, render-se, usar de métodos não-violentos, resistência civil, etc. O princípio utilitarista formalizado seria o seguinte:
Um Estado é moralmente justificado em fazer a guerra se e apenas se nenhuma outra via de ação disponível a ele resultaria em maior bem-estar esperado; de outra forma, fazer a guerra é errado.
Atenção para fator esperado no princípio utilitarista da guerra de Shaw. Ele implica a ponderação das probabilidades de sucesso e a comparação de diferentes benefícios sujeitos a diferentes probabilidades de cada via de ação.
Se um Estado é justificado, age corretamente, em fazer a guerra, então é moralmente permitido que ele o faça. Mas isso implica que também seria exigido que ele faça a guerra? A resposta de Shaw — que considero questionável e criticarei mais a frente — é:
…um Estado é moralmente requerido a fazer a guerra, em oposição a apenas ser permitido a fazê-la, se e apenas se fazer a guerra resultaria em maior bem-estar esperado do que qualquer outra coisa que ele poderia fazer.
A formulação da exigência normativa é precisamente idêntica à que acabamos de ver para a justificativa moral. Isto é, rigorosamente falando, na visão de Shaw se uma guerra atende a condição necessária para ser moralmente justificada, isso não significa apenas a descrição de um código de conduta socialmente aceito. Significa também que toda guerra moralmente justificada é também uma guerra que deveria ter sido feita ou que deve ser feita. Essa conclusão é logicamente coerente com os princípios de Shaw, porém não parece ser uma conclusão necessária ao utilitarismo.
Talvez percebendo esse problema, Shaw faz um adendo. Se alguma via de ação resultaria no mesmo bem-estar esperado que a guerra, e nenhuma outra via de ação possui utilidade esperada maior ou igual, então o Estado pode escolher entre fazer ou não fazer a guerra, não sendo moralmente exigido a escolher nenhuma das duas vias. Qualquer igualdade de bem-estar esperado entre fazer e não fazer uma guerra parece implausível. Porém, o problema aqui é que o cálculo envolve a atribuição de probabilidades. Não há espaço nesta resenha para considerarmos todos os tipos de incerteza e as formas de inferir probabilidades. Para isso, recomendo a leitura da tipologia de incerteza de Dequech (2011). O importante a ser ressaltado é que para casos como a probabilidade de fazer uma guerra vitoriosa obter probabilidades objetivas é praticamente impossível. Assim, embora numericamente seria implausível obter duas utilidades esperadas de bem-estar idênticas, há margem mais que suficiente de subjetividade para que não se consiga chegar a um acordo sobre as atribuições de probabilidade de cada cenário.
Shaw faz duas considerações adicionais. A primeira é que o problema não se resume à dicotomia guerra vs não-guerra. Há diferentes tipos de guerra, com diferentes intensidades e escopos. A segunda é que decidir pela guerra não é uma decisão única no tempo, pode ser iniciada uma guerra em bases utilitárias, mas por uma mudança de circunstâncias o Estado deixar de ser justificado na sua continuidade.
O autor pondera que essa abordagem utilitarista para a guerra está de acordo com o bom senso moral e possui atributos atrativos na sua simplicidade. Para tanto, é importante entender o bem-estar num sentido amplo que “reconheça a importância da liberdade e auto-determinação para a prosperidade humana”. Segundo ele, não é necessário ser um utilitarista para concordar que este padrão normativo é correto. Shaw argumenta que a aceitação ampla do critério utilitário de guerra justificada traria mudanças profundas e bem-vindas. Isso porque ao longo da história as guerras foram defendidas em termos que ignoram as consequências ou focam em consequências que não dizem nada sobre o bem-estar humano, como a “honra nacional” ou “vingança de ressentimento histórico”. Quando se pensam nas consequências, também é raro ser objetivo e ponderar as diversas vias de ação — o mais comum é inflar as perdas esperadas de não fazer a guerra e superestimar o risco dessas perdas ocorrerem.
II. Respondendo à três objeções sobre a abordagem utilitarista da guerra
Objeção 1: “A razão utilitarista é susceptível a abusos, podendo ser — e de fato foi — usada para justificar guerras imorais.”
Resposta de Shaw: Sim, líderes astutos racionalizaram guerras que queriam lutar com apelações espúrias ao bem maior. Mas também exploraram vários raciocínios não-utilitários, como dever religioso, glória, honra da nação, injustiças históricas, etc. Alguém mal-intencionado pode distorcer quase qualquer princípio moral no apoio a políticas moralmente questionáveis. Ele não é mais propenso que outras teorias morais. E se o fosse, isso não implica que ele é falho em fornecer um critério normativo satisfatório para pensar as guerras, mas apenas que o critério deve ser utilizado com cuidado. Por fim, a resposta a argumentos consequencialistas superficiais e falaciosos para a guerra não é o abandono do pensamento consequencialista, mas sim um exame mais meticuloso dos resultados prováveis de uma guerra nas circunstâncias existentes, levando em conta os interesses de todos.
Objeção 2: “O bem-estar é um conceito incerto e é difícil saber o que realmente faz a vida das pessoas melhorar ou piorar.”
Resposta de Shaw: Isso é verdade, mas mesmo que não saibamos dos detalhes sobre os fatores sociais e psicológicos que levam ao bem-estar humano, nós já sabemos diversas coisas que o promovem, ou que o impedem ou desvirtuam. Ademais, para o problema da guerra não estamos lidando com questões sutis de valor. Matar e ferir pessoas, tornar crianças em órfãs, destruir fazendas e fábricas, deslocar civis, destruir a infraestrutura de um país e danificar sua herança cultural são muito destrutivas para o bem-estar. Por outro lado, não há dúvidas que a segurança física e psicológica, liberdade pessoal, auto-determinação política e respeito pela integridade territorial promovem o bem-estar e que a guerra às vezes protege esses valores.
Objeção 3: “Mesmo se pudermos acessar valores comparativos, quando o assunto é guerra e paz o futuro é imprevisível demais para fazermos julgamentos confiáveis sobre as consequências das alternativas disponíveis.”
Resposta de Shaw: Shaw reconhece todas as dificuldades inerentes à nossa situação epistêmica: deixar de considerar alguma alternativa, wishful thinking, erros cognitivos, emoção, pressão social, etc. A defesa –um tanto frágil, é necessário reconhecer — que ele faz apenas menciona que nós “comumente antevemos razoavelmente bem para onde nossas ações nos levam e nossas antecipações do futuro frequentemente se provam corretas” (p. 310). Sugere estudarmos o passado e vermos o que a história pode nos ensinar em termos de modéstia e reconhecimento das nossa falibilidade.
Shaw termina essa seção comentando que o critério utilitário praticamente não foi usado por quase ninguém para acessar guerras específicas. Se o fizessem, muitas guerras foram moralmente injustificadas e não deveriam ter sido feitas e nenhum lado agiu pensando no bem-estar de todos. A dificuldade de aplicar o critério utilitário na prática complexa do mundo real de fato existe, porém a dificuldade de aplicar um critério ético às vezes não mostra que ele está incorreto. Ao menos não haveria nenhuma razão para acharmos que o princípio normativo correto — seja ele qual for — será um princípio de fácil aplicação.
III. Princípios Intermediários da abordagem utilitarista da guerra
Retomando o livro Utilitarism (1861) de Stuart Mill, Shaw toca no problema dos princípios intermediários ou subordinados que podem vir após o princípio primário. O princípio primário pode se manter como o correto ou determinante, e ainda assim a teoria pode reconhecer as dificuldades de aplicar corretamente o critério e para tanto recomendar seguir alguns princípios secundários ou de nível menor. Isso reduz as dificuldades epistêmicas e práticas que impedem a aplicação bem-sucedida do critério utilitário.
Quais princípios? Duas possibilidades: (1) o pacifismo e (2) os princípios da teoria da guerra justa.
O princípio pacifista
O postulado do princípio pacifista é o de que fazer a guerra sempre é errado. Qualquer ser humano quer que as pessoas acreditam e ajam de acordo com a crença de que a guerra é terrível e deve ser evitada. O princípio pacifista vai além disso e afirma categoricamente que um Estado nunca deveria guerrear. Por que utilitaristas poderiam querer que as pessoas sigam esse princípio?
Pode ser que eles acreditem que fazer a guerra nunca é, ou quase nunca é, uma via ótima de ação. Assim, embora teoricamente a guerra poderia ser moralmente justificada, isso é tão raro que obtemos melhores resultados internalizando nós mesmos e ensinando nossas crianças o princípio de que a guerra é categoricamente errada e que nenhuma nação deveria lutar uma guerra, nunca. Mesmo se a aderência a esse princípio pacifista nos leve em raras ocasiões ao erro moral — falhar de lutar guerras que o princípio utilitarista nos requereria lutar –, nós ainda estaríamos melhor no longo prazo mantendo o pacifismo e sempre recusando a cogitar a opção da guerra. Isso é porque o perigo de aplicar equivocadamente o critério utilitarista e lutar guerras que são moralmente equivocadas supera em muito a possibilidade de que ao se ater ao princípio utilitário nós negligenciaremos a lutar guerras que deveríamos lutar.
Shaw não considera o princípio pacifista um princípio intermediário convincente para a abordagem utilitarista da guerra que ele propõe:
“Embora inteligente e provocativo, esse argumento [pacifista] é em última instância inconvincente, penso. Pode parecer óbvio que em um mundo no qual todos acreditassem que guerras não deveriam ser lutadas seria um mundo melhor porque nenhuma guerra seria feita. Mas a veracidade disso depende de como seria esse mundo imaginado sem guerras. Se tal mundo tivesse mais injustiça, opressão ou agressão – em poucas palavras, mais miséria e menos bem-estar – do que um mundo com guerras ocasionais, então ele pode não ser um mundo melhor. Ademais, seguir o pacifista sofisticado e repudiar toda guerra pode ou não pode ser a melhor forma de fazer com que seres humanos não lutem guerras. Isso está condicionado à se a maioria das outras pessoas também categoricamente repudiam a guerra. Se elas tiveram dificuldade em aceitar o pacifismo ou tiverem dificuldade de manterem-se convictas nele quando algo abalar a crença, defender o pacifismo pode não ser a melhor estratégia para diminuir a frequência das guerras, quanto menos livrar-se delas por completo.” (p. 312).
O interessante dessa crítica de Shaw é que ela parece ignorar a própria ideia que o fez considerar o princípio pacifista, a ideia de que nesse caso ele seria um princípio intermediário, subordinado, ao princípio da utilidade definido por ele. Ao criticar o princípio, ele não mobiliza um argumento contra a regra pacifista de conduta em si, mas contra o poder de convencimento da regra — duas coisas bastante diferentes.
Se o pacifismo é o princípio secundário, não primário, da conduta, então é possível admitir desvios da regra e a utilização da argumentação utilitarista sem maiores problemas — inclusive para convencer as pessoas quanto à validade geral do princípio pacifista sob justificativa utilitarista. A objeção que ele faz no parágrafo seguinte, opondo o princípio pacifista ao peso empírico dos diferentes caminhos de ação, parece criticar mais o pacifismo como princípio primário do que o pacifismo como princípio subordinado do utilitarismo.
Os princípios da guerra justa
Shaw distingue seis regras que precisariam ser satisfeitas para que seja legítimo lutar uma guerra:
- 1. Ela foi autorizada por uma autoridade legítima;
- 2. Ela tem uma causa justa
- 3. Ela foi iniciada com as intenções certas;
- 4. Ela é o último recurso
- 5. O dano da guerra não estará fora de proporção com o bem que ela obterá;
- 6. Há uma chance razoável de sucesso.
Na análise desses seis princípios subordinados derivados da teoria da guerra justa, Shaw é categórico em afirmar que são “em última análise subordinados ao critério utilitário” (p. 313) — benefício que não concedeu em igual medida ao princípio pacifista subordinado. Utilitaristas podem tomar esses seis princípios como regras práticas (rule of thumb) que auxiliam na aplicação do critério utilitário mas que não carregam peso normativo em si mesmas. Qualquer uma delas pode ser deixada de lado se as circunstâncias levaram a não satisfazerem o critério utilitário.
IV. Exemplos levantados contra a ética utilitária da guerra
É comum o uso de contraexemplos para criticar o utilitarismo e outras teorias normativas consequencialistas. Shaw apresenta alguns contraexemplos e defende sua abordagem ante cada um deles.
Contraexemplo 1: “Uma nação grande, cuja economia e portanto bem-estar dos seus cidadãos depende de petróleo, estaria justificada em bases utilitárias em tomar as reservas de petróleo de uma nação pequena porque isso maximizaria o benefício.”
Esse contraexemplo depende de três pressupostos pouco razoáveis: (1) que a pequena nação simplesmente se recuse a vender seu petróleo a qualquer preço; (2) que a nação maior não tenha outra forma de obter petróleo; (3) que ninguém previu o desenvolvimento dessa situação em tempo de evitá-la.
Contudo, como coloca Shaw, aceitar esses pressupostos pouco razoáveis ainda assim não seria suficiente para um utilitarista ser levado a defender o Contraexemplo 1. Diz Shaw:
Mesmo aceitando esses três pressupostos, utilitaristas têm boas razões para insistir que guerras deveriam ser lutadas apenas por uma causa justa. No caso, insistir que Estados deveriam respeitar a integridade territorial e soberania política de outros Estados (assumindo que não sejam tiranos ou genocidas). Já enraizado na lei internacional, este é um direito político e moral que faz sentido para utilitaristas sustentarem devido à sua importância para a promoção do bem-estar humano no longo prazo. Mas, uma vez que apoiam e defendem esse direito, utilitaristas não podem então voltar atrás e autorizar a sua violação em um esforço de capturar utilidade extra. Falando em termos práticos, é impossível institucionalizar um direito (e colher os benefícios que ele traz) e ao mesmo tempo permitir violações desse direito em situações particulares. Permitir que Estados ignorem os direitos básicos de outros Estados quando eles acreditam que o fazer maximizaria a utilidade seria uma política desastrosa.
Contraexemplo 2: “Uma nação grande e agressiva invade injustamente uma nação pequena. Se a resistência seria inútil, então o utilitarismo implica, ao que parece, que a nação pequena estaria errada em resistir.”
Algumas pessoas acham isso contra-intuitivo. A nação não tem o direito de resistir, mesmo se a resistência for inútil? O caso pode ser tornado mais extremo se imaginarmos que a nação maior pretende exterminar as pessoas da nação menor. Eles não têm o direito de morrer lutando? O direito de se defender de ataques armados faz perfeito sentido para utilitaristas defenderem, dada a importância de respeitar a soberania política e a integridade territorial das nações. Às vezes age-se erroneamente no exercício de um direito — Shaw exemplifica com o direito da liberdade de expressão. Mas parte do tratamento de algo como direito é permitir que as pessoas realizem algumas ações sem serem obrigadas a calcular a utilidade de fazê-lo. Utilitaristas apoiam o direito da liberdade de expressão porque há diversos caminhos pelos quais esse direito contribui para o bem humano no longo prazo, mesmo se o exercício desse direito por algumas pessoas falhe em maximizar a utilidade em alguns casos.
No caso em questão, não é de forma alguma óbvio que a não haverá nenhum bem derivado da tentativa de resistência da nação pequena. Pode forçar o agressor a modificar seus planos imediatos ou dissuadi-lo de fazer planos similares no futuro. Dadas essas possibilidades, é pouco provável que seria plausível criticar a nação vitimada por tentar evitar o pior.
Utilitarismo e as Regras da Guerra
[Em breve]
Referências:
Dequech, D. (2011). Uncertainty: a typology and refinements of existing concepts. Journal of economic issues, 45(3), 621-640.
Shaw, W. H. (2011). Utilitarianism and Recourse to War. Utilitas, 23(04), 380-401.
Shaw, W. H. (2014). Utilitarianism and the ethics of war. In Eggleston, B. and Miller, D.E. (eds.) The Cambridge Companion to Utilitarianism. Cambridge University Press.
Outros textos interessantes do mesmo autor:
Shaw, W. H. (2012). Business Ethics and Military Ethics: A Study in Comparative Applied Ethics. Journal of applied ethics and philosophy, 4, 22-33.
Shaw, W. H. (2014). Consequentialism, war, and national defense. Journal of International Political Theory, 10(1), 20-37.
Shaw, W. H. (2016). Utilitarianism and the Ethics of War. Routledge.