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Pensadores ruins

Por que algumas pessoas acreditam em teorias da conspiração? Não é apenas quem ou o que elas conhecem. É uma questão de caráter intelectual.


Tradução do texto de Quassim Cassam, professor de Filosofia na University of Warwick em Coventry. Seus últimos livros são Berkeley’s Puzzle: What Does Experience Teach Us? (2014) e Self-Knowledge for Humans (2014).

Tradução por Thomas Victor Conti

Todos os hyperlinks foram adicionados pelo tradutor e não constam no texto original.


Conheça Oliver. Como muitos dos seus amigos, Oliver pensa que ele é um especialista sobre o 11 de setembro. Ele dedica muito do seu tempo livre lendo sites de conspiração e sua pesquisa o convenceu que os ataques terroristas em Nova York e Washington, DC, em 11 de Setembro de 2001 foram uma armação interna. Os impactos das aeronaves e o fogo criado não poderia ter causado o colapso das Torres Gêmeas do World Trade Center. A única explicação viável, defende ele, é que agentes do governo plantaram explosivos antecipadamente. Ele reconhece, claro, que o governo acusa a Al-Qaeda pelo 11/9, mas sua resposta previsível é pura Mandy Rice-Davies: eles diriam isso, não diriam?

Evidências de pesquisas sugerem que a visão de Oliver sobre o 11/9 não são de modo algum pouco usuais. De fato, teorias peculiares sobre todo tipo de coisas estão por toda parte agora. Há teorias da conspiração sobre a AIDS, a ida a Lua de 1969, OVNIs, e o assassinato de Kennedy. Às vezes, teorias da conspiração se relevam verdadeiras — Watergate realmente foi uma conspiração — mas a maioria das vezes são tolices. Elas são de fato ilustrações vívidas de uma verdade chocante sobre seres humanos: não importa quão inteligentes e eruditos possamos ser de outras formas, muitos de nós ainda acreditam nas coisas mais estranhas. Você pode encontrar pessoas que acreditam que foram abduzidas por aliens, ou que o Holocausto nunca aconteceu, e que o câncer pode ser curado pelo pensamento positivo. A enquete Harris Poll 2009 descobriu que entre 1/5 e 1/4 dos americanos acredita na reincarnação, na astrologia ou na existência de bruxas. Basta dar o nome e provavelmente há alguém por aí que acredita nisso.

Você percebe, é claro, que a teoria de Oliver sobre o 11/9 tem pouco a seu favor, e isso faz você se perguntar por que ele acredita nela. A questão “Por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação interna?” é apenas uma versão mais geral da questão colocada pelo cético dos EUA, Michael Shermer: por que as pessoas acreditam em coisas estranhas? Quanto mais estranha a crença, mais estranho parece que alguém possa tê-la. Perguntar às pessoas por que elas acreditam em coisas não é como perguntar por que elas acreditam que está chovendo enquanto elas olham para a janela e veem chuva caindo lá fora. É óbvio por que as pessoas acreditam que está chovendo quando elas veem evidências fortes, mas está longe de óbvio por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação interna quando ele tem acesso a evidências fortes de que não foi uma armação.

Quero argumentar a favor de algo que é controverso, embora eu acredite que é também intuitivo e de bom senso. Meu argumento é: Oliver acredita no que acredita porque esse é o tipo de pensador que ele é, ou, para colocar sem rodeios, porque há algo errado com o modo como ele pensa. O problema com os teóricos da conspiração não é, como o acadêmico Cass Sunstein argumenta, que eles tenham pouca informação relevante. O problema chave para no que eles acabam acreditando é como eles interpretam e respondem à vastas quantidades de informação relevante disponíveis a eles.

Normalmente, quando filósofos tentam explicar por que alguém acredita em coisas (estranhas ou não), eles focam nas razões daquela pessoa ao invés dos seus atributos de caráter. Nessa visão, o modo de explicar por que Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação é identificar as razões dele para acreditar nisso e a pessoa que está na melhor posição para lhe contar suas razões é o próprio Oliver. Quando você explica a crença de Oliver dando as razões dele para a crença, você está fornecendo uma “explicação racionalizante” para a crença dele.

O problema com essas explicações racionalizantes é que elas só avançam até certo ponto. Se você perguntar a Oliver por que ele acredita que o 11/9 foi uma armação ele irá, claro, ficar muito feliz em lhe dar suas razões: tinha que ser uma armação, insiste ele, porque impactos de aeronaves não poderiam ter derrubado as torres. Ele está errado sobre isso, mas de toda forma essa é a história dele e ele a está mantendo. O que ele fez, com efeito, é explicar uma das suas crenças questionáveis tendo como referência outra crença tão questionável quanto. Infelizmente, isso não nos diz nada sobre por que ele tem qualquer uma dessas crenças. Há um sentido claro no qual nós ainda não sabemos o que realmente está acontecendo com ele.

Agora vamos dar um pouco mais de corpo para a história de Oliver: suponha que ele acredita em muitas outras teorias da conspiração além do 11/9. Ele acredita que o homem nunca pisou na Lua, que a Princesa Diana foi assassinada pelo MI6 e que o virus Ebola é uma arma biológica que escapou. Aqueles que o conhecem bem dizem que ele é facilmente enganado e você tem evidência independente que ele é descuidado com seu pensamento, com pouco entendimento sobre as diferenças entre evidência genuína e especulação sem fundamento. De repente tudo começa a fazer sentido, mas apenas porque o foco mudou das razões de Oliver para o seu caráter. Agora você pode ver as visões dele sobre o 11/9 no contexto da sua conduta intelectual em geral e isso abre a possibilidade de uma explicação diferente e mais profunda da sua crença do que a que ele fornece: ele pensa que o 11/9 foi uma armação porque ele é de certa forma ingênuo, crédulo. Ele tem o que os psicólogos chamam de “mentalidade de conspiração”.

Perceba que o caráter da explicação proposta não é uma explicação racionalizante. Afinal de contas, ser ingênuo não é uma razão para se acreditar em nada, embora ainda possa ser o motivo pelo qual Oliver acredita que o 11/9 foi uma armação. E embora possa se esperar que Oliver saiba suas razões para acreditar que o 11/9 foi uma armação, ele é a última pessoa a reconhecer que ele acredita no que acredita sobre o 11/9 porque ele é ingênuo. É a natureza de muitos traços de caráter intelectual que você não perceba que você os possui e portanto não está ciente da verdadeira extensão que seu pensamento é influenciado por eles. Os ingênuos raramente acreditam que são ingênuos e os de mente-fechada não acreditam que são mente-fechada. A única esperança de superar a auto-ignorância nesses casos é aceitar que outras pessoas — seus colegas de trabalho, sua esposa, seus amigos — provavelmente sabem seu caráter intelectual melhor que você. Mas mesmo isso pode não necessariamente ajudar. Afinal, pode ser que se recusar a escutar o que outras pessoas dizem sobre você seja um dos seus atributos intelectuais. Alguns defeitos são incuráveis.

Ingenuidade, descuido e mente-fechada são exemplos do que a filosofa americana Linda Zagzebski, no seu livro Virtues of the Mind (1996), chamou de “vícios intelectuais”. Outros incluem a negligência, ociosidade, rigidez, obtusidade, preconceito, falta de rigor e insensibilidade para os detalhes. Atributos de caráter intelectual são hábitos ou estilos de pensar. Descrever Oliver como ingênuo ou descuidado é dizer algo sobre seu estilo intelectual ou mentalidade — por exemplo, sobre como ele tenta encontrar coisas sobre eventos como o 11/9. Atributos de caráter intelectual que auxiliam a investigação efetiva e responsável são virtudes intelectuais, enquanto vícios intelectuais são atributos de caráter intelectual que impedem a investigação efetiva e responsável. Humildade, cautela e cuidado estão entre as virtudes intelectuais que Oliver simplesmente carece, e é por isso que as tentativas dele de chegar até o fundo do 11/9 são tão falhas.

Oliver é imaginário, mas exemplos do mundo real de vícios intelectuais atuando não são difíceis de encontrar. Considere o caso do “bombardeiro submerso” Umar Farouk Abdulmutallab, que tentou explodir um voo de Amsterdam a Detroit em 2009. Abdulmutallab nasceu em Lagos, Nigeria, numa família de país educados e afluentes, graduou-se no University College de Londres com um diploma em engenharia mecânica. Ele foi radicalizado por sermões online do militante islâmico Anwar al-Awlaki, que foi depois morto por um ataque de drones americanos. É difícil não ver o fato de que Abdulmutallab foi tomado pelos sermões de Awlaki é em parte um reflexo do seu caráter intelectual. Se Abdulmutallab tivesse o caráter intelectual para não ser enganado por Awlaki, então talvez ele não teria acabado em um avião transatlântico com explosivo nas calças.

Explicações de caráter intelectual para crenças questionáveis são mais controversas do que se imagina. Por exemplo, foi sugerido que explicar o mau comportamento das pessoas ou crenças estranhas por referência ao seu caráter nos faz mais intolerantes para com eles e menos empáticos. Mas essas explicações podem ainda assim estar corretas, mesmo que elas tenham consequências ruins. De toda forma, não é óbvio que explicações de caráter deveriam nos fazer menos tolerantes com as fraquezas das outras pessoas. Suponha que Oliver não consiga fazer nada sobre ser o tipo de pessoa que cai em teorias da conspiração. Isso não deveria nos fazer mais tolerantes diante dele e suas crenças, ao invés de menos?

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Uma objeção diferente à explicações baseadas em caráter é que não simplesmente não é verdade que as pessoas têm crenças questionáveis porque elas são estúpidas ou ingênuas. Em How We Know What Isn’t So (1991), o psicólogo social Thomas Gilovich argumento que muitas dessas crenças têm “origens puramente cognitivas”, isto é, elas são causadas por imperfeições nas nossas capacidades de processar informações e tirar conclusões. Ainda assim o exemplo que ele dá de uma explicação cognitiva nos leva de volta para explicações de caráter. O exemplo dele é a “mão quente” no basquete. A ideia que quando um jogador acerta alguns lançamentos ele é mais propenso a acertar os próximos lançamentos. Sucesso cria sucesso.

Gilovich usou análises estatísticas detalhadas para demonstrar que a mão quente não existe — a performance em um dado lançamento é independente da performance em lançamentos anteriores. A questão é, por que tantos treinadores de basquete, jogadores e fãs acreditam nela mesmo assim? A explicação cognitiva de Gilovich é que a crença na mão quente deve-se às nossas intuições imperfeitas sobre sequências de chance; como espécie, nós somos ruins em reconhecer com o que uma sequência genuinamente aleatória se parece.

E ainda assim quando Gilovich mandou seus resultados para diversos treinadores de basquete, o que aconteceu em seguida foi extremamente revelador. Um respondeu: “Quem é esse cara? Então ele faz um estudo. Eu não poderia me importar menos.” Isso parece uma ilustração perfeita de vícios intelectuais operando. A reação de desconsiderar manifestou um leque de vícios, incluindo a mente fechada e o preconceito. É difícil não concluir que o treinador reagiu como reagiu porque ele era mente fechada e preconceituoso. Em casos como esse, assim como no caso de Oliver, simplesmente não é crível que os atributos de caráter não estão cumprindo um trabalho explicativo significante. Um treinador com a mente menos fechada poderia muito bem ter reagido de forma completamente diferente às evidências de que a mão quente não existe.

Nós poderíamos explicar a desconsideração do treinador sem nos referir à sua personalidade em geral? “Situacionistas”, como são chamados, argumentam que nosso comportamento é em geral melhor explicado por fatores de situação[1] do que nossos supostos atributos de caráter. Alguns veem isso como uma boa razão para ser cético sobre a existência do caráter. Em um experimento, estudantes de um seminário de teologia foram solicitados para fazer uma apresentação no campus. Para um grupo foi solicitada uma fala sobre a parábola do Bom Samaritano, enquanto os outros receberam temas diferentes. Alguns foram informados que tinham muito tempo para chegar até ao lugar da aula, enquanto outros receberam a informação para correram. No caminho deles para o local, todos os estudantes se depararam com uma pessoa (um ator) aparentemente precisando de ajuda. No caso, a única variável que fazia uma diferença para parar ou não para ajudar foi o quanto de pressa eles estavam. Estudantes que pensavam estar correndo contra o tempo foram bem menos propensos a parar e ajudar do que aqueles que foram informados que tinham tempo. De acordo com o filósofo de Princeton Gilbert Harman, a lição de tais experimentos é que “nós temos que convencer as pessoas a olhar para fatores situacionais e para parar de tentar explicar as coisas em termos de atributos de caráter.”

Você diz que Oliver se deixa levar pela crença dele na teoria da conspiração do 11 de setembro; ele devolve que você se deixa levar por acreditar nas conclusões da Comissão do 11/9.

Os atributos de caráter que Harman tinha em mente são virtudes morais tais como gentileza e generosidade, mas alguns situacionistas também rejeitam a ideia de virtudes e vícios intelectuais. Por exemplo, eles apontam para evidências que as pessoas vão muito melhor em tarefas de resolução de problemas quando elas estão de bom humor. Se fatores situacionais tão triviais quanto o humor ou a fome são melhores em explicar sua conduta intelectual do que seu assim-chamado caráter intelectual, então qual é a justificativa para acreditar na existência de atributos de caráter intelectuais? Se tais atributos existem, então eles não deveriam explicar a conduta intelectual das pessoas? Absolutamente, mas exemplos como os de Oliver e o treinador de basquete de Gilovich sugerem que atributos de caráter intelectuais explicam sim a conduta intelectual de uma pessoa em um intervalo importante de casos. As pessoas não acreditam em coisas estranhas porque elas estão com fome ou de mau (ou bom) humor. A visão de que as pessoas não têm atributos de caráter como ingenuidade, descuidado ou preconceito, ou que as pessoas não diferem em caráter intelectual, destitui-nos de explicações aparentemente persuasivas para as condutas intelectuais tanto de Oliver quanto do treinador de basquete.

Suponha que no fim Oliver vive em uma região onde teorias da conspiração são abundantes e que ele está sob influência de amigos que são teóricos da conspiração comprometidos. Estas não seriam explicações perfeitamente viáveis e situacionais, não de caráter, para as crenças dele sobre o 11/9? Apenas até um ponto. O fato de Oliver ser facilmente influenciado por seus amigos em si nos diz algo sobre seu caráter intelectual. Onde Oliver vive pode nos ajudar a explicar suas crenças, mas mesmo se teorias da conspiração forem disseminadas na sua cabana da floresta nós ainda precisaríamos entender por que algumas pessoas acreditam nelas, enquanto outras não.

Diferenças em caráter intelectual nos ajudam a explicar por que pessoas em uma mesma situação acabam acreditando em coisas tão diferentes. De modo a pensar que atributos de caráter intelectual são relevantes para a conduta intelectual de uma pessoa, você não precisa pensar que outros fatores, incluindo fatores situacionais, são irrelevantes. O caráter intelectual explica a conduta intelectual apenas em conjunção com muitas outras coisas, incluindo a sua situação e o modo com que seu cérebro processa informação. O situacionismo certamente seria um problema para a visão de que os atributos de caráter explicam nossa conduta independentemente de fatores situacionais, mas essa não é a visão de caráter que alguém jamais quis defender.

Em termos práticos, uma das coisas mais difíceis sobre lidar com pessoas como Oliver é que elas são mais que propensas a acusá-lo dos mesmos vícios intelectuais que você detecta neles. Você diz que Oliver é ingênuo por acreditar na sua teoria da conspiração do 11/9; ele devolve que você é ingênuo por acreditar nas conclusões da Comissão do 11/9. Você diz que ele ignora o registo oficial do 11/9 porque tem a mente fechada; ele o acusa de ser mente fechada por se recusar a levar as teorias da conspiração a sério. Se nós somos comumente cegos para nossos próprios vícios intelectuais, então quem somos nós para acusar Oliver de fracassar em se dar conta que ele acredita nas suas teorias porque ele é ingênuo?

Essas são todas perguntas legítimas, mas é importante não ficar muito desconsertado pela sua tentativa de virar a mesa contra você. É verdade, ninguém é imune à auto-ignorância. Mas isso não é desculpa para Oliver. O fato é que a teoria dele não é boa, ao passo que há todas as razões para acreditar que foram os impactos de aeronaves que derrubaram as Torres Gêmeas. Só porque você acredita na versão oficial do que aconteceu no 11/9 não o faz ingênuo se há boas razões para acreditar nessa versão. Igualmente, ser cético sobre as reivindicações mais amplas sobre o 11/9 de teóricos da conspiração não o faz mente-fechada se há bons motivos para ser cético. Oliver é ingênuo porque ele acredita em coisas para as quais ele não tem boas evidências, e ele é mente-fechada porque ele desconsidera argumentos para os quais há excelentes evidências. É importante não cair na armadilha de pensar que o que conta como boa evidência é um assunto subjetivo. Dizer que Oliver carece de boas evidências é chamar a atenção para a ausência de testemunhas oculares ou apoio forense para a teoria dele do 11/9, e para o fato de que a teoria dele foi refutada por especialistas. Oliver pode não aceitar nada disso, mas isso é, de novo, um reflexo do seu caráter intelectual.

Os objetivos da educação deveriam incluir o cultivo das virtudes intelectuais e a redução dos vícios intelectuais.

Uma vez que você supera a ideia de que Oliver de alguma forma conseguiu virar a mesa contra você, ainda permanece um problema do que fazer com pessoas como ele. Se ele é genuinamente mente-fechada, então presume-se que sua mente continuará fechada à ideia de que ele tem a mente fechada. A mente fechada é um dos vícios intelectuais mais duros de se enfrentar porque é da natureza dela se esconder daqueles que a possuem. E mesmo se de alguma forma você tire Oliver desse mundo para reconhecer seus próprios vícios, isso não vai necessariamente melhorar as coisas. Enfrentar os vícios intelectuais requer mais que auto-conhecimento. Você também precisa estar motivado a fazer algo sobre eles e de fato estar habilitado a fazer algo sobre eles.

Deveria Oliver ser condenado pelas suas fraquezas? Filósofos gostam de pensar nas virtudes como tendo bons motivos e vícios como tendo motivos ruins, mas os motivos de Oliver não precisam ser ruins. Ele pode ter exatamente a mesma motivação pelo conhecimento quanto a pessoa intelectualmente virtuosa, e ainda assim ser desviado pela sua ingenuidade e mentalidade conspiratória. Então, tanto em respeito dos seus motivos e suas responsabilidades quanto pelos seus vícios intelectuais, Oliver pode não ser estritamente culpável. Isso não significa que nada deveria ser feito sobre eles ou sobre ele. Se nós nos importamos com a verdade então nós deveríamos nos importar com equipar as pessoas com os meios intelectuais para chegar na verdade e evitar a mentira.

A educação é a melhor forma de fazer isso. Vícios intelectuais são apenas tendências a pensar de certas formas, e tendências podem ser anuladas. Nossos vícios intelectuais são equilibrados por nossas virtudes intelectuais, por atributos de caráter intelectual tais como manter uma mente aberta, curiosidade e rigor. O caráter intelectual é uma mistura de virtudes e vícios intelectuais e os objetivos da educação deveriam incluir cultivas virtudes intelectuais e reduzir os vícios intelectuais. O filósofo Jason Baehr fala sobre “educar para as virtudes intelectuais”, e esse é em princípio a melhor forma de lidar com pessoas como Oliver. Um relatório de 2010 para o Conselho da University College de Londres sobre o caso Abdulmutallab chegou a uma conclusão similar. Ele recomendava o “desenvolvimento de treinamento acadêmico aos estudantes para os encorajar e equipar não apenas a pensar criticamente, mas a desafiar visões inaceitáveis.” O desafio é criar uma forma de como fazer isso.

E se Oliver estiver longe demais e não puder mudar seus modos mesmo se ele quiser? Como outros hábitos ruins, hábitos intelectuais ruins podem estar enraizados demais para mudar. Isso significa viver com as suas consequências. Tentar raciocinar com pessoas que são obstinadamente mente-fechada, dogmáticas e preconceituosas dificilmente será efetivo. O único remédio nesses casos é tentar mitigar o dano que seus vícios causam a si mesmos e aos outros.

Enquanto isso, aqueles que tem a perturbação de dar sermões sobre os vícios intelectuais de outras pessoas — isso me inclui — precisam aceitar que eles também provavelmente são muito longe de perfeitos. Nesse contexto, como em muitos outros, um pouco de humildade vai muito longe. Uma coisa é não ir fundo na tentativa de Oliver de virar a mesa contra você, mas ele tem um ponto no mínimo até o seguinte: nenhum de nós pode negar que vícios intelectuais de um tipo ou de outro estão em jogo ao menos em parte do nosso pensamento. Estar vivo a essa possibilidade é o sinal de uma mente saudável.

—Texto de Quassim Cassam para a Aeon, traduzido por Thomas Victor Conti


[1] Nota do Tradutor: Um texto interessantíssimo sobre esse ponto, vindo do campo da psicologia social, afirma que uma variável determinante para explicar o grau de crença em teorias da conspiração é o sentimento de incerteza. Vivenciar emoções que evocam a incerteza, tenham elas valência positiva (e.g., esperança) ou negativa (e.g., medo) tendem a nos fazer mais propensos a acreditar em explicações conspiratórias, paranormais ou transcendentais.  Ver Whitson, J. A., Galinsky, A. D., & Kay, A. (2015). The emotional roots of conspiratorial perceptions, system justification, and belief in the paranormal. Journal of Experimental Social Psychology, 56, 89-95.

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Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

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