A passagem abaixo sobre ciência e pesquisa científica é uma leitura livre que recomendo a qualquer pessoa. São as palavras de Richard Feynman, na minha opinião o maior físico do século XX e possivelmente o maior gênio de todos os tempos. Mas alguém que, acima de tudo, era um grande ser humano – demasiadamente humano! Com a palavra, Feynman:
O que faz de alguém um cientista? Por Richard Feynman
“Não pense que ser um cientista é algo assim tão diferente. Uma pessoa comum não está tão distante de um cientista. Talvez ela não tenha muito a ver com um artista ou poeta, mas também duvido disso. Acredito que no sentido comum da vida cotidiana há muitos tipos de pensamento que ocorrem aos cientistas. Todas as pessoas partem de determinadas coisas da vida normal para chegar a certas conclusões sobre o mundo. Elas fazem coisas que não existiam, como desenhos, textos e teorias científicas. Há algo comum nesse processo? Não vejo tanta diferença assim entre isso e o trabalho cientista.
Por exemplo, uma pessoa comum pode mentir, mas mentir requer um pouco de imaginação. E é preciso criar uma história que seja de algum modo compatível com a natureza e possa até se adequar a determinados fatos. Às vezes fazem um bom trabalho. Não precisam ser cientistas ou escritores para isso.
Será a ciência algo mais fantástico do que a pessoa que diz: “Mary ainda não voltou para casa, aposto que ela foi almoçar no restaurante X, porque gosta de comer nesse lugar. Vamos ligar para lá?” Você telefona e Mary está lá. Isso é criatividade? A pessoa comum pega determinadas ideias fornecidas pela sua experiência e as combina com o objetivo de ver outra coisa ou alguma relação. Toda vida e todo comportamento comuns envolvem um tipo de atividade humana que, para mim, parece muito semelhante.
Os cientistas realmente pensam de um forma construtiva. Fazemos uma pergunta a um cientista e aquilo passa a preocupá-lo, mas não do mesmo modo como ocorre com uma pessoa comum, que normalmente diria: “Fico imaginando se aquele doente vai ficar bom.” Isso não é pensar, é apenas se preocupar. O cientista tenta construir algo com base nisso. Ele procura chegar a uma conclusão, a uma solução – e não unicamente se inquietar.
O cientista analisa uma coisa do mesmo jeito que um detetive, que tenta descobrir, baseando-se em pistas, o que aconteceu quando ele não estava ali. Estamos tentando compreender o que é a natureza, considerando certos sinais proporcionados por nossas experiências. Temos as pistas e procuramos chegar a uma conclusão. Nossa atividade está mais próxima do trabalho de um detetive do que qualquer outra coisa.
Na verdade, fazemos simplesmente algo comum e normal, porém com uma intensidade muito maior. As pessoas têm imaginação, só não a usam como poderiam. Criatividade é uma coisa que todo mundo possui, porém os cientistas a utilizam mais. O que não é comum é fazer isso com tanta intensidade, de modo que toda essa experiência seja acumulada ao longo de anos sobre um único assunto.
O trabalho de um cientista consiste nas atividades normais de uma pessoa, no entanto ele as leva às últimas consequências de uma maneira bastante exagerada. As pessoas comuns não agem assim com tanta frequência ou, como acontece comigo, pensam sobre o mesmo problema todo dia. Apenas idiotas como eu fazem isso! Ou Darwin, ou outro qualquer que se preocupe com a mesma questão. “De onde vêm os animais?” Ou: “Qual a relação entre as espécies?” Um cientista trabalha com um assunto e pensa sobre ele durante anos! O que eu faço é algo que pessoas comuns fazem com frequência, porém eu faço mais, muito mais. Tanto que até parece coisa de maluco! Mas isso significa tentar realizar o potencial de um ser humano.
Por exemplo, nem eu nem você temos músculos que saltam dos nossos braços como os dos fisiculturistas. Para nós isso seria impossível. Bem, eles trabalham e trabalham e trabalham seus músculos – até que ponto é possível aumentá-los? Como fazer o peito parecer maior? Eles tentam saber até onde podem chegar. E por isso realizam algo com uma intensidade extraordinária. Não quer dizer que não sejamos capazes de levantar um peso. Tudo o que eles fazem é levantar pesos muito mais vezes. Mas, como nós, estão procurando descobrir o maior potencial que pode ser atingido por um ser humano numa determinada direção.”
O trecho foi retirado do livro “Feynman Rainbow” (“O Arco-Íris de Feynman: a busca da beleza na física e na vida”), páginas 51-53, escrito pelo renomado físico Leonard Mlodinow. No livro, Mlodinow relata suas histórias quando era apenas um jovem pesquisador recém-aceito na Caltech, onde Feynman era professor e estava em seus últimos anos de vida lutando contra o câncer. A passagem acima foi uma conversa informal entre eles, em um dia frio em meio a lousas e equações.
Acho que a mensagem principal dele é fundamental para quebrar certos estereótipos que nossa sociedade está reproduzindo. Ou se coloca a ciência num pedestal intocável como se ainda estivéssemos no século XIX, ou se critica a ciência como se ela fosse essa coisa-no-pedestal que não pode ser tocada. A meu ver, as duas abordagens desmerecem tanto o que a ciência é, quanto o que ela tem de humano: nossa infinita busca por conhecimento, nossa capacidade única de formular perguntas, e a perseverança com que podemos correr atrás de respondê-las.
Enfim, o livro conta uma história muito bonita, curiosa e instigante. Vale a pena conferir!
Física e matemática, pai e mãe de todas ciências verdadeiras, amores de minha vida. Ainda hoje guardo, com muito carinho, os volumes da magnífica obra “The Feynman Lectures on Physics” do Prof Feynman, a quem devo grande parte do pouco que aprendi de física. Física, do grego φυσική , em sentido amplo, a que estuda a natureza, ciência no sentido mais acertado do termo, único método ou caminho para se conhecer o que nos rodeia, até os confins do universo e desde o big bang em contraposição às trevas da superstição, do preconceito, da inconsciência coletiva.
Amigo e colega de dois dos maiores físicos brasileiros, Cesar Lattes e José Leite Lopes, reconhecidos mundialmente, e os três engajados socialmente, a par de suas genialidades, cidadãos exemplares do Brasil e do mundo. Do tempo em que a inteligência, a consciência sócio-política, a cultura pareciam pairar sobre a estultície, a arrogância, a truculência, e o ódio coletivos. Nem por isso deixaram de ser perseguidos pela ditadura, que os fez aceitar os múltiplos convites das melhores universidades do mundo civilizado como pesquisadores e professores.
Bravo por compartilhar esta bela postagem!