Como acadêmico e economista que pesquisa na área da história econômica, poucos maneirismos do debate público contemporâneo me incomodam tanto quanto o comando “vá ler um livro de história” ou o argumento de (em geral falsa) autoridade “quem pensa assim nunca estudou história”. Às vezes pode mesmo acontecer de quem fala isso ter estudado muito algum problema ou período histórico enquanto seu interlocutor não conhece nada, mas da minha experiência isso é muito, muito raro.
Primeiro, porque dizer para alguém “estudar história” é quase tão vago quanto dizer “leia textos”. Tudo que a humanidade já fez, incluindo tudo que já foi escrito e até um pouco do que foi apenas falado, pode ser ou já foi objeto do estudo histórico. Quando ouvir um “vá estudar história” de alguém, pergunte qual fonte a pessoa recomenda ler sobre aquele assunto ou período específico. Na vasta maioria dos casos a pessoa não saberá dizer, ou vai buscar no Google o tema e lhe passar o primeiro livro que encontrar, que pode defender uma tese completamente diferente do que a falsa autoridade em questão está afirmando.
Segundo, porque os principais casos de consenso científico na área da história são quanto à veracidade dos fatos, sendo muito mais difícil o consenso na interpretação dos fatos. Por exemplo, quando pessoas ou governos se dedicam ao negacionismo histórico para subsidiar seu ego ou um projeto de poder, quem faz a resistência em nome da memória social são os historiadores. “O genocídio armênio aconteceu, sim. Eis as evidências.”, dizem contra quem nega esse fato, como o governo da Turquia. “Houve colaboração de sul-koreanos com os crimes do Governo Imperial Japonês, sim. Seguem todas as provas.”, diz a associação nacional de historiadores da Coréia do Sul, contra a tentativa feita pelo governo daquele país em 2015 de reescrever a história nacional glorificando os sul-koreanos do período e mesmo a ditadura da Coréia do Sul que vigorou entre 1963 e 1979. Sobre isso há consenso. Agora para perguntas como “A Alemanha teria vencido a Segunda Guerra se não tivesse se dedicado ao genocídio de judeus, poloneses, homossexuais…?” é bom se preparar para ler muito caso queira dar uma opinião embasada, e ela estará inserida em um debate muito complexo que dificilmente será resolvido pela sua contribuição, embora possamos aprender muito caso se ofereça um novo olhar sobre as evidências disponíveis.
Feitas essas considerações, não é que “estudar história” não mude a forma da pessoa ver o mundo. Com certeza muda. Provavelmente deixará claro para você o quão pouco sabemos sobre o mundo, quão pequenos nós somos, quão passageira e imperceptível é a nossa marca no tempo, quão importante é checar a qualidade das fontes de tudo aquilo que temos interesse em absorver como conhecimento, dentre muitas outras mudanças importantes de percepção. Mas “estudar história” dificilmente significa que você será dessa ou daquela ideologia política, terá essa ou aquela opinião sobre o mundo contemporâneo, advogará por essa ou aquela causa, como as pessoas que falam para as outras fazerem isso costumam querer provar. Para todas essas coisas é possível sim que algum livro de história mude sua forma de pensar sobre o assunto, mas com certeza não será qualquer livro de história escolhido ao acaso.
Quando falarem “Vá estudar história”, peça as fontes e não se surpreenda quando seu interlocutor não souber indicá-las. Já quando falam “Quem pensa assim não estudou história.”, a menos que se trate da negação de fatos muito bem fundamentados, há duas opções: perguntar o que a pessoa entende como “estudar história”, quais autores, quais correntes de pensamento histórico, qual a relevância disso no debate geral, etc., ou ignorar mesmo, pois não é com esse tipo de diretriz unânime de interpretação que o conhecimento histórico se desenrola ao longo do tempo.