O problema do Livre Arbítrio, segundo o físico Stephen Hawking
As pessoas tem livre arbítrio? Se temos livre arbítrio, onde na árvore evolucionária ele se desenvolveu? As algas azuis ou bactérias tem livre arbítrio, ou é o seu comportamento automático e contido no reino da lei científica? São apenas os organismos multicelulares que tem livre arbítrio, ou apenas os mamíferos? Nós podemos pensar que um chimpanzé está exercendo livre arbítrio quando ele escolhe abocanhar uma banana, ou um gato quando ele rasga o sofá, mas e quanto a um nematódeo chamado Caenorhabditis elegans – uma criatura simples feita de apenas 959 células? Ela provavelmente nunca pensa, “Essa foi uma bactéria muito deliciosa que eu jantei agora pouco”, entretanto ela também tem uma preferência bem definida por comidas e vai poder tanto se contentar com uma refeição pouco atrativa ou ir buscar algo melhor, dependendo da experiência recente. Isso é o exercício do livre arbítrio?
Apesar de nós sentirmos que nós escolhemos o que fazemos, nosso entendimento da base molecular da biologia mostra que os processos biológicos são governados pelas leis da física e da química e portanto são tão determinados quanto as órbitas dos planetas. Experimentos recentes na neurociência corroboram com a visão de que é o nosso cérebro físico, seguindo leis conhecidas da ciência, que determina nossas ações, e não alguma agência que existe fora dessas leis. Por exemplo, um estudo com pacientes acordados passando por cirurgia cerebral descobriu que ao estimular eletricamente as regiões adequadas do cérebro, poder-ase criar no paciente o desejo de mover sua mão, braço, ou pé, ou de mover seus lábios e falar. É difícil imaginar como o livre arbítrio pode operar se nosso comportamento é determinado pela lei da física, tal que ao que parece somos não mais que máquinas biológicas e o livre arbítrio é apenas uma ilusão.
Embora concedendo que o comportamento humano é de fato determinado pelas leis da natureza, parece que é também razoável concluir que o resultado é determinado de uma forma tão complicada e com tamanha quantidade de variáveis que o torna impossível de ser previsto na prática. Para tanto precisaria-se de conhecimento do estado inicial de cada umas das milhares de trilhões de trilhões de moléculas no corpo humano e resolver algo em torno desse número de equações. Isso levaria alguns bilhões de anos, o que seria um pouco tarde para desviar quando uma pessoa adversária mirasse um golpe.
Porque é tão impraticável usar as leis físicas subjacentes para prever o comportamento humano, nós adotamos o que é chamado de uma teoria efetiva. Na física, uma teoria efetiva é uma estrutura criada para modelar certo fenômeno observado sem descrever em detalhe todos os processos mais profundos. Por exemplo, nós não podemos resolver exatamente as equações governando as interações gravitacionais de cada átomo do corpo de uma pessoa com cada átomo na terra. Mas para todos os propósitos práticos a força gravitacional entre a pessoa e a terra pode ser descrita em termos de apenas alguns números, como a massa total de uma pessoa. Similarmente, nós não podemos resolver as equações que governam o comportamento de átomos e moléculas complexas, mas nós desenvolvemos uma teoria efetiva chamada química que fornece uma explicação adequada de como átomos e moléculas se comportam em reações químicas sem contabilizar para cada detalhe das interações. No caso das pessoas, como nós não podemos resolver as equações que determinam o nosso comportamento, nós usamos a teoria efetiva de que as pessoas têm livre arbítrio. O estudo da nossa vontade, e do comportamento que emerge dela, é a ciência da psicologia. A economia é também uma teoria efetiva, baseada na noção do livre arbítrio mais a suposição de que as pessoas avaliam suas possíveis vias de ação e escolhem a melhor. Essa teoria efetiva é apenas moderadamente bem sucedida na previsão do comportamento porque, como todos nós sabemos, decisões são comumente irracionais ou são baseadas em uma análise defeituosa das consequências da escolha. É por isso que o mundo está em tal bagunça.
Fonte: Hawking, Stephen & Mlodinow, Leonard. The Grand Design (O Grande Projeto), 2010. Páginas 54-57 do arquivo pdf. Tradução livre feita por Thomas Conti.
Mais sobre esse livro de Hawking pode ser encontrado no artigo O Atual Estado da Arte na Ciência – Parte 1.