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Honestidade Intelectual

Em busca do bom conteúdo…

Somos diariamente bombardeados por uma imensa[1] quantidade de informação, seja na mídia oficial ou nas redes sociais. Como diferenciar o conteúdo que foi pensado em seus detalhes e carrega alguma verdade, daquele que não passa de um título polêmico e palavras rasas ou enganosas? Como inferir os viéses ou distorções que autores desconhecidos podem colocar em suas publicações? Se colocarmos na ponta do lápis, quanto do conteúdo que lemos diariamente não poderia ser classificado como apenas exercícios de retórica ou propaganda?

Essas são questões pertinentes que afetam nossa vida diária na era da informação. Enquanto os grandes portais da mídia conseguem aderência em suas notícias não importando a sua qualidade, veículos menores têm de se desdobrar para conseguir um lugar ao sol – nesse vale tudo online, sensasionalismo e desinformação formam antes a regra do que a exceção.

Mas há espaço para relembrarmos o esquecido princípio da honestidade intelectual que constitui (ou já constituiu) um método indispensável de resolução de problemas na pesquisa acadêmica – princípio que espero seguir ao longo dos artigos deste blog, a despeito das dificuldades que certamente terei.

Bom, mas afinal quais os sinais mais claros de que por trás de um raciocínio o princípio da honestidade intelectual está sendo seguido e respeitado?

  1. 1. Nenhum argumento é intrinsecamente verdadeiro – sua força depende das evidências que lhe deem suporte. Não superestimar o poder do seu próprio argumento, portanto, é um indício de que a honestidade intelectual está em jogo. Reconhecer a existência de pontos de vista alternativos razoáveis, disposição para explicitar e questionar as próprias premissas, assim como possíveis fraquezas do próprio argumento – e admitir seus erros, quando for o caso – são qualidades associadas ao princípio da honestidade intelectual. Em síntese, deve haver um forte compromisso com o pensamento crítico.
    • Contraste: a Desonestidade Intelectual está mais comumente associada à arrogância, à caracterização daqueles que discordam como estúpidos (ou utilização de argumentos ad hominem[2] em geral) ou à representação errônea de suas posições e argumentos (como citações fora de contexto), dando a ideia de que este é inferior sem passar pelas dificuldades inerentes a um contra-argumento bem construído e embasado.[3]
  2. 2. É necessário demonstrar consistência. Além de não distorcer os fatos em seu benefício, caso o autor tenha conhecimento de evidências que contrariam a sua hipótese (algo normal de se esperar de um profissional da pesquisa) e mesmo que ele desconsidere a validade ou a relevância desses dados, eles devem ser destacados e discutidos à luz da sua argumentação para que o leitor corretamente seja capaz de realizar seu próprio julgamento sobre a validade da interpretação que lhe está sendo apresentada. Ademais, para um mesmo autor, um peso deve ter apenas uma medida: tanto visões a favor como contra àquela do autor devem ser avaliadas sob o mesmo padrão de rigor e precisão.
    • Contraste: na desonestidade intelectual, em geral a prática mais comum consiste justamente na omissão de dados e/ou argumentos inconvenientes. Ou, quando não são omitidos, aplicam-se dois pesos e duas medidas – argumentos adversários são tratados com grande rigor crítico, enquanto as ideias do próprio autor e/ou seus aliados são rapidamente aceitas, mesmo quando de baixa qualidade.
  3. 3. Uma prática básica e essencial à honestidade intelectual é o uso adequado de citações, seja para fazer o devido reconhecimento dos autores originais de uma ideia ou para embasar os artigos com fontes confiáveis de dados e/ou conceitos adicionais. As referências garantem um solo firme, fértil e iluminado para o crescimento de ideias. É uma premissa básica do avanço por meio da crítica a existência de avanços anteriores, que devem ser explicitados.
    • Contraste: artigos sem referências a outros autores ou que usam fontes não confiáveis (ou nenhuma fonte) são indícios de desonestidade intelectual atuando – comumente na forma de argumentos rasos baseados em pressupostos mais ou menos sutis de autoridade. No mesmo sentido, autores desonestos nunca reconhecem publicamente quando é feito um bom ponto de criticismo – e a troca honesta de conhecimento também é uma pré-condição para uma discussão crítica que avance.

Esses são os pontos fundamentais que a meu ver devem guiar qualquer bom artigo e a conduta de bons autores. Se pensarmos rapidamente nas notícias que ganham maior escopo nos dias de hoje, poucas se adequariam ao princípio da honestidade intelectual.

Parte da minha vontade em criar este blog veio justamente da discordância com esse ambiente. Devo reconhecer que não me eximo das críticas que coloquei aqui, e até que me torne experiente na redação profissional de artigos errarei diversas vezes ao longo do caminho, porém assumo desde já um compromisso pessoal com o princípio da honestidade intelectual, que servirá de norte para este blog.

Notas:

[1] Segundo estimativas da Cisco, contabilizando-se apenas o conteúdo em vídeo, levaria-se 6 milhões de anos para assistir o que será colocado na internet mensalmente a partir de 2016 (não devemos estar muito longe disso em 2013). Fonte: Estimativas Cisco (em inglês)
[2] Argumentum ad hominem é um argumento feito pessoalmente contra um oponente, ao invés de ser feito contra os argumentos que ele defende. Consiste em uma falácia informacional, ou irrelevância, baseada em uma falha cognitiva conhecida como ‘Halo Effect’: nossa tendência em julgar fazendo uso de estereótipos ou de culpa por associação.
[3] Um ponto que às vezes é mal compreendido é uma suposta ligação entre inteligência e honestidade intelectual – coisas que não estão minimanente relacionadas entre si. Uma pessoa pode ser extremamente inteligente e erudita porém utilizar essas capacidades de forma desonesta para seu proveito individual. Ao meu ver, a identificação de alguém como inteligente apenas significa atenção redobrada para possíveis sinais de desonestidade intelectual, pois certamente esta pessoa será capaz de distorcer e enganar de forma mais sútil e efetiva, caso o queira.

Doutor em Economia, professor do Insper e pesquisador do IDP-SP. Sócio e CEO da AED Consulting. Desde 2013 faço divulgação científica neste blog e nas redes sociais por paixão e convicção. Defendo políticas públicas baseadas em evidências e os princípios éticos do humanismo secular.

7 Responses to “Honestidade Intelectual: princípios esquecidos?”

  1. Santiago

    Me esclareceu muita coisa. Tambem me leva a pensar, ¿por que é mais interessante pra grande midia a desonestidade intelectual? ¿ sera que se mantela todo vamos poder falar do que quisermos e assim se dará direito de fala só pra quem nos interessa, ou seja, gente que chame a atenção do publico?

    • Thomas Conti

      Olá caro Santiago! Na minha opinião a mídia age dessa forma porque seu objetivo há muito tempo deixou de ser a transmissão do conhecimento. As revistas querem garantir que seu público continue assinando, os portais de notícias querem ganhar com o volume da publicidade, que por sua vez depende do número de acessos. Em geral, o conteúdo é pensado tendo em vista um certo pública, não de uma noção de responsabilidade quanto à realidade. Acho que a tendência é essa que você apontou mesmo. Segmentar o público de acordo com o que cada um quer ouvir é uma carta branca para falar qualquer asneira e sair ileso. Como reverter essa tendência??? Gostaria muito de saber…

  2. Alexandre Nagado

    Parabéns pelo texto. Eu sinto o mesmo que você em muitas situações no Twitter, que é minha mídia social favorita.

    Vejo nos militantes de esquerda discursos altamente tendenciosos (bom, todo militante é tendencioso, claro). Em geral, negam qualquer coisa de boa que o adversário (aliás, inimigo) tenha feito. Se esboça alguma ideia contrária ao bloco progressista, é taxado de direitista retrógrado.

    Hoje, nas mídias sociais, ou se é de esquerda ou de direita. E se é de direita, pertence às forças do mal. Se tem religião, é ignorante. Se é contrário ao aborto (não se permitem nuances ou exceções nesse tipo de debate), é machista e desrespeita as mulheres. Se é ateu, vai ser desonesto porque não teme a Deus. E por aí vai. Intolerância é a palavra que reina. Eu bloqueei muita gente que eu não leio de tanto que alguns contatos meus ficam repassando textos a todo momento. A militância é invasiva e incômoda quando se percebe o fanatismo e rancor embutidos.

    Ler seu texto deu um pouco de esperança. Indicarei a meus contatos.

    Abraço!

    • Thomas Conti

      Olá Alexandre, primeiramente agradeço pelo elogio e pelo comentário.

      A situação é complicada e os vícios estão por toda parte. Prefiro não apontar essa ou aquela vertente política como responsável pelo problema, que a meu ver atinge a todos os lados de forma parecida, talvez alterando apenas os locais em que se enrustem: a direita é proprietária dos maiores veículos da mídia, enquanto à esquerda resta se posicionar mais enquanto pessoas independentes em mídias sociais diversas.

      Não gosto de pensar que fanatismo e rancor, adjetivos pejorativos, sejam inerentes à militância, uma atividade alicerce da democracia – pois, se assim o forem, o debate político no Brasil está fadado à pobreza de significado.

      Esquecemos que a política é a arte da fala, da retórica e do diálogo, algo que os gregos o sabiam muito melhor que nós. A segmentação do público no jornalismo atual e as mídias sociais de massa permitem falar inconsequentemente, o que é exatamente o contrário da essência da Política.

      Só melhoraremos nessa difícil habilidade se conscientemente fizermos um esforço de diálogo honesto e sem preconceitos, onde creio estarmos de acordo e que o agradeço e parabenizo pelas palavras construtivas.

      Abraços!

      • Alexandre Nagado

        Tem toda a razão. O que fiz foi basear-me na minha experiência em redes sociais. Creio que, por lidar com artes e comunicação, eu tenha realmente mais contato com a esquerda e, entre esses contatos, haja obviamente militantes mais empolgados. Mas sim, o problema é geral. Infelizmente, o debate político por vezes se transforma em briga de torcidas rivais. O outro lado nunca tem razão em nada. O lado que se escolheu está acima do bem e do mal e o sofisma e o sarcasmo são usados com afinco. Mas eu acredito na força do bom diálogo e que essas ideias devem ser divulgadas.

        Obrigado pela resposta. Passarei mais vezes aqui, certamente.

        Abraço!

        • Thomas Conti

          Obrigado pelo apoio Alexandre, espero que goste do blog! E desejo muito boa sorte no seu trabalho no twitter, que já estou seguindo! Abraços!

  3. A Batalha que a Grande Mídia venceu | Blog Thomas Conti

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